É quase impossível falar de Francis Lawrence sem mencionar seu envolvimento na franquia “Jogos Vorazes”, com produções que o cineasta toca há mais de uma década, com um novo filme já sendo rodado e agendado para 2026. Entre essa década foram poucos os projetos nos quais Lawrence se envolveu que não eram relacionados à franquia, um deles ainda foi protagonizado pela estrela desses filmes, Jennifer Lawrence (“Operação Red Sparrow”). Assim, é difícil se distanciar dos temas da franquia que alçaram seu nome ao sucesso absoluto, ainda que lá atrás ele tenha feito projetos interessantes (“Constantine” e “Eu Sou a Lenda”), sendo que de lá para cá somente uma produção pouco comentada que ele realizou para a Netflix não se debruça sobre essas similaridades. Portanto, apesar de parecer um respiro em sua filmografia, “A Longa Marcha – Caminhe ou Morra” segue na mesma linha dos seus trabalhos mais populares, mesmo sendo uma adaptação de Stephen King, mas deixando o horror sobrenatural de lado para explorar os horrores que podemos causar uns aos outros, principalmente sob as rédeas de um governo fascista e autoritário. Parece, acima de tudo, um projeto mais pessoal e que, sem dúvidas, tenta tecer paralelos com o status quo dos Estados Unidos.
O cinema de Francis Lawrence tem um estilo muito bem definido, mais clássico, inclusive gerando uma mudança drástica do primeiro para o segundo filme da franquia “Jogos Vorazes”, porque Gary Ross, diretor do original, tinha optado por uma abordagem mais cínica, rodado com câmera nas mãos, um visual que dava ao filme uma crueza que tornava todos os embates ali aterrorizantes ao vermos simples jovens se digladiando. Depois do segundo filme, Lawrence foi esterilizando isso, tornando as coisas num espetáculo mais palatável. É essencial pontuar isso porque essa espécie de pasteurização que o cineasta realizou ali reflete diretamente no que funciona e deixa de funcionar aqui em “A Longa Marcha”, porque este é, sim, um filme que requer tremenda crueza, e de princípio já vemos que isso é algo que Lawrence não é capaz de produzir, então seu filme sempre paira num limite que fica aquém de seu potencial. Tem belos frames com uma iluminação e enquadramentos interessantes, mas a sensação que fica é que sempre falta algo, que falta uma criatividade que permita ao filme ir além, que falta explorar a relação midiática da caminhada com o que os personagens vivem e uma suposta beleza que se pode encontrar em meio ao sacrifício deles.
Se os personagens de “A Longa Marcha” falam de um condicionamento pelo qual a sociedade ali foi submetida, Francis Lawrence faz parte desse mesmo processo, mas do lado de fora das telas. Seus discursos sobre revolução são extremamente conformistas e ingênuos, quase apolíticos, por isso pouco importa a catarse que o cineasta quer gerar, porque o impacto é ínfimo devido a essa falta de pontaria e certeza sobre como construir figuras antagonistas, porque é um clichê que não funciona exatamente bem. O vilão de Mark Hamill (“A Vida de Chuck”) é um arquétipo bastante maniqueísta e que, por si só, é incapaz de gerar qualquer sentimento, recai, portanto, ao restante do elenco sustentar o todo, mas a maneira como Francis Lawrence trabalha seus personagens deixa muito a desejar, e o quão digitais são algumas das mortes também prejudica a experiência. Falta aquela cartada final que seria muito mais efetiva do que as escolhas piegas que são feitas aqui, pelo menos a dupla protagonista formada por Cooper Hoffman (“Licorice Pizza”) e David Jonsson (“Alien: Romulus”) é capaz de superar esses empecilhos e, através do carisma dos dois, até emocionar, mesmo que brevemente. No entanto, não é o suficiente para superar a artificialidade que predomina em “A Longa Marcha – Caminhe ou Morra”, que soa mais como uma peça de entretenimento proveniente daquilo que quer criticar do que uma crítica em si. Um projeto condicionado por suas próprias vivências.
“A Longa Marcha – Caminhe ou Morra” – Trailer Legendado:
“A Longa Marcha – Caminhe ou Morra” (“The Long Walk”, 2025); Direção: Francis Lawrence; Roteiro: JT Mollner; Elenco: Cooper Hoffman, David Jonsson, Garrett Wareing, Tut Nyuot, Charlie Plummer, Ben Wang, Roman Griffin Davis, Josh Hamilton, Judy Greer, Mark Hamill; Duração: 108 minutos; Gênero: Drama, Suspense; Produção: Roy Lee, Steven Schneider, Francis Lawrence, Cameron MacConomy; País: Estados Unidos; Distribuição: Paris Filmes; Estreia no Brasil: 18 de Setembro de 2025;