“Coringa: Delírio à Dois” (“Joker: Folie à Deux”, 2024); Direção: Todd Phillips; Roteiro: Scott Silver & Todd Phillips; Elenco: Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Brendan Gleeson, Harry Lawtey, Catherine Keener, Zazie Beetz; Duração: 140 minutos; Gênero: Comédia, Suspense, Terror; Produção: Todd Phillips, Emma Tillinger Koskoff, Joseph Garner; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 03 de Agosto de 2024;
Desde o Festival de Veneza até o Oscar, entre Agosto de 2019 e Fevereiro de 2020, “Coringa” viveu momentos de glórias e lauréis que raros filmes baseados em quadrinhos conhecem. Caindo nas graças do público, foi um sucesso absoluto de bilheteria a partir de um orçamento até modesto para o padrão hollywoodiano desse gênero, e também se tornou um queridinho das premiações, ainda que tenha dividido a crítica especializada. Querendo ou não, o filme se tornou um marco entre as produções do tipo, mas não diferente de todas as outras, chegou sua hora de receber uma continuação, como é de praxe. Ainda que tenha levado um pouco mais de tempo do que o público desejava para chegar aos cinemas, “Coringa: Delírio a Dois” começa com o Arthur Fleck de Joaquin Phoenix (“Napoleão”) atrás das grades, nos últimos momentos antes de seu júri popular ter início. Nesse meio tempo, entre preparação com sua defesa e a vida na palma das mãos dos guardas de Arkham, ele conhece uma paciente da ala psiquiátrica, Lee Quinzel (Lady Gaga), com quem desenvolve uma relação que traz de volta à tona a figura do coringa da qual Fleck havia se distanciado durante a desolação do cárcere.
Num estado de melancolia, o personagem de Phoenix começa então a viver esse conflito entre a realidade e o que querem que ele trate como realidade, numa psique fraturada porque está desamparada, enquanto a personagem de Gaga incendeia nele um sonho possível dessa vida de fantasia e liberdade como Coringa. O que Todd Phillips faz através disso é basicamente um meta comentário sobre o primeiro filme, sendo que no universo de “Coringa: Delírio a Dois” os acontecimentos de seu antecessor também receberam uma versão cinematográfica fictícia, essa que nunca é exibida ao protagonista ou ao espectador, e paira esse questionamento sobre a qualidade e a influência do mesmo nos eventos que decorrem neste segundo filme. Contudo, é só uma pequena parcela do quanto Phillips comenta sobre o que foi o fenômeno de “Coringa” e como sua repercussão foi (ou é), de alguma forma, um fardo para o próprio cineasta, que parece nos dizer não estar tão assim interessado em qualquer responsabilidade de ser o representante de algum movimento. Não que isso seja qualquer surpresa, afinal, fica clara a ignorância ideológica e política desde sempre na carreira de Phillips, sendo que ele até demonstra interesse em desenvolver alguns temas nesses quesitos, mas simplesmente não sabe como fazê-lo.
Isso influencia diretamente na (falta de) criatividade e na insensibilidade a qual “Coringa: Delírio a Dois” apresenta em diversas frentes. Enquanto Joaquin Phoenix é uma caricatura do que era seu trabalho no filme anterior, a introdução de Lady Gaga deveria emprestar algum vigor ao filme, contudo, ao se debruçar sobre essa ideia de ser um musical, falta a produção se entregar ao gênero, pois o que encontramos são sequências sem qualquer inspiração, vivendo de referências baratas e de nenhuma inventividade. É chocante como parece não haver qualquer coreografia ou algo do tipo mais elaborada para quase tudo, como se o filme tivesse vergonha de se assumir como um musical. Também vai de encontro com as limitações de Todd Phillips, que deixa clara suas referências, mas nunca consegue ir para além de imitações baratas, não consegue criar algo mesmo quando acredita ser um autor, porque suas imagens, independentemente do talento ou qualidade da equipe técnica atrás das câmeras, são de um completo vazio, que aspiram a grandeza, mas não sabem como alcançá-la. É perceptível a maquinação para construir imagens que pareçam artísticas, o que quer que isso seja para ele. Só que como tudo é fajuto, uma completa farsa, acaba gerando um diálogo não intencional dentro do próprio filme sobre o que é o cinema de Phillips, como se fosse uma sombra que tira proveito de um repentino sucesso inexplicável…