No Coração do Mundo (2018); Direção: Gabriel Martins, Maurílio Martins; Roteiro: Gabriel Martins, Maurílio Martins; Elenco: Kelly Crifer, Leo Pyrata, Grace Passô, Bárbara Colen, Robert Frank, Rute Jeremias, Renato Novaes; Duração: 120 minutos; Gênero: Drama; Produção: André Novais, Thiago Macêdo Correia; País: Brasil; Distribuição: Embaúba Filmes; Estreia no Brasil: 01 de Agosto de 2019;
O diretor mineiro André Novais consolidou uma estética naturalista com seus longas celebrados e altamente grandiosos, como o recente “Temporada“. É tênue perceber o limite da realidade filmada e da vida encenada. Sua produtora, Filmes de Plástico, agora lança o longa dos irmãos Gabriel Maurílio Martins, intitulado “No Coração do Mundo“. Com visão similar ao de Novais, um dos produtores do longa-metragem, os irmãos conseguem mostrar essência própria na construção de um universo tremendamente vasto e extremamente caótico numa, aparente, pacata e simples cidade do interior mineiro. Em Contagem, tudo pode acontecer. Os moradores não são o que parecem. Inclusive, o próprio filme não é uma desconstrução de si: passeia entre o thriller policial e a comédia de costumes. Um passo à frente do cinema nacional, do modo que foge dos padrões impostos pela indústria nacional, entorno do eixo Rio-São Paulo.
É difícil entregar um resumo da trama, pois um dos principais méritos dos diretores é construí-la de forma instigante, fazendo o público ir além da condição de mero espectador, tornando-se um cúmplice dos personagens. Cada um deles apresenta certa particularidade, vivem – ou sobrevivem – na periferia de Contagem, alguns praticam pequenos furtos e golpes para conseguir a bonança. Outros tentam trabalhar arduamente para conseguir notoriedade, porém com poucos recursos e oportunidades. Em meio a tantas singularidades dos personagens, nos deparamos com um universo de representatividade: Contagem é o Brasil e seus moradores são brasileiros, é fácil a identificação daqueles indivíduos no nosso cotidiano. O que torna ainda mais notório é a singularidade de cada personagem, construído de forma soberba. Eles são o Brasil em si, mas ao mesmo tempo são Marcos, Selma, Miro, Fia, Rose. Vivem entorno de sua própria particularidade, ao mesmo tempo que carregam a essência regional e fundamentalmente, nacional.
Em meio aos dilemas, as tramas e subtramas que os habitantes dessa cidade periférica, caótica, se unem em prol de um golpe derradeiro. Algo que podem levá-los rumo ao sonho mineiro: sair da miséria daquela cidade tão especial, porém, tão decadente. Sob um olhar intimista, vemos a escassez daquela região, das oportunidades e da falta de esperança, quase que natural que tomou conta tanto dos moradores quanto do Brasil, hoje mais do que nunca. Uma crônica social que reflete não só um abismo regional, mas também uma questão da decadência da brasilidade, contrariando as previsões e o “boom” social e econômico que a nação viveu no início desta década.
Qualquer filme com a atriz Grace Passô é um convite enorme para se conferir. Ela trabalha pouco ainda nas telonas, porém o que ela faz é esplendido. Não tenho dúvidas que se trata da maior atriz brasileira em atividade e, claro, uma das maiores atrizes do cinema mundial. Sem exageros. O resto do elenco também entrega grandes atuações, convencendo de que são parte daquela cultura e sociedade. O maior triunfo dos diretores, em sua estréia na direção de longas, é conseguir extrair tanto de seus atores, porém, não necessariamente exigindo grande dramaticidade. As coisas vão sendo construídas naturalmente, passando uma certa impressão do uso do improviso numa forma estética.
De drama social a thriller policial, “No Coração do Mundo” encerra-se como um western legitimamente brasileiro. Aonde os forasteiros somos nós, cúmplices, ouvintes e espectadores de uma terra de ninguém, sem leis, onde tudo pode. Uma terra que cada vez mais se chama Brasil.
“No Coração do Mundo” – Trailer: