O Beijo no Asfalto (2017); Direção: Murilo Benício; Roteiro: Murilo Benício; Elenco: Lázaro Ramos, Débora Falabella, Otávio Müller, Fernanda Montenegro, Amir Haddad, Stênio Garcia; Duração: 98 minutos; Gênero: Drama; Produção: Murilo Benício, Marcello Ludwig Maia; País: Brasil; Distribuição: ArtHouse; Estreia no Brasil: 06 de Dezembro de 2018;
O escritor Nelson Rodrigues popularizou-se por construir ao longo de suas obras tragédias urbanas, captando toda a banalidade do cotidiano do brasileiro médio. Antes de ganhar notoriedade, Rodrigues trabalhou como jornalista investigativo, fato esse que inspirou parte de suas obras. Muitas já foram as adaptações de Rodrigues, tanto no cinema quanto na televisão, inclusive a própria peça “O Beijo no Asfalto” já foi aos cinemas nos anos 80, pelas mãos de Bruno Barreto. Agora, o ator Murilo Benício faz sua estréia na direção dando uma nova roupagem à peça, abdicando de elementos da narrativa clássica cinematográfica a fim de valorizar ao máximo o tom teatralista do escritor, tendo um surpreendente resultado final.
Na peça, um homem é morto por um ônibus em plena praça da bandeira, no Rio de Janeiro. Num ato humanitário, um outro homem que acompanhou o acidente dá um beijo na boca do condenado. Diante disso, um jornalista sensacionalista que presenciou o ocorrido torna tudo um grande escândalo, no qual a polícia entra em jogo para averiguar se houve um acidente ou um assassinato. A vida desse homem se torna um inferno, vira de ponta cabeça e ele precisa saber lidar com a consequência de seus atos.
Todo o enredo é basicamente encenado, literalmente. É uma escolha de Benício iniciar o longa com um grande ensaio de leitura do texto com seu elenco, entre eles a glamourosa Fernanda Montenegro, quase uma entidade da cultura nacional, aqui sendo homenageada por sua vasta carreira no teatro. A partir desta leitura, emula-se o filme, como se fosse sim uma peça. É um teatro filmado, porém em nenhum momento ele esconde o viés cinematográfico, seja pelos cortes entre encenação e leitura ou ainda a fotografia em preto e branco, com alto valor narrativo.
Benício faz uma direção inventiva, aproveitando ao máximo o texto em mãos, conseguindo aproveitar sua essência ao mesmo modo que o atualiza para os tempos atuais. Colocando em evidência todo o cinismo e sordidez do universo de Rodrigues, expondo a brutalidade da polícia frente o papel da mídia sensacionalista em demolir reputações e ainda as hipócritas máscaras sociais que deturpam e corroem as relações sociais ou familiares. É quase um tapa na cara perceber o quão atual é aquela sociedade interpretada. Justamente por isso, “O Beijo no Asfalto” torna-se não meramente uma experiência fílmica, mas também um instrumento de denuncia e identificação. E se tratando do autor original da peça, soa reverente no mesmo modo que se mantém original.