Ensaio sobre a Cegueira (2008) dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles que, na minha opinião, se estabelece como um bom filme adaptado através da grande obra de José Saramago, estabelece a conexão entre o humano e o medo. Nós, enquanto sociedade, nos organizamos frente aos sintomas sociais que nos limitam como sujeitos. Como exemplo uso um sintoma social que já está instalado na nossa rotina: a busca constante por likes nas redes sociais ou a busca por aquele post que nos dará os 5 minutos de fama. Se até Madonna está querendo esses 5 minutos de fama, quem dirá nós meros seres humanos, né verdade?!
No filme “Ensaio sobre a Cegueira” não é mostrado tão amplamente sobre o impacto da redes sociais nas nossas vidas, mas sim nos é mostrado como os sujeitos de uma cidade caótica lida com os problemas sociais que vão aparecendo e todo mundo desconhece a fonte daquele sintoma social e muito menos o que é, muito parecido com o cenário nacional e também em algumas partes do mundo, onde a violência e o ódio estão se instalando como uma forma de medo, proteção ou simplesmente perversidade.
Trazendo o filme para nossos dias atuais temos confrontado números lamentáveis de violência, principalmente com a comunidade LGBTI, jovens negras e negros. E mais recente, dois sujeitos ao demonstrar seus ideais morais, depredaram a homenagem feita a Marielle Franco, figura política brutalmente assassinada e até hoje sem respostas sobre a sua morte. Esses e tantos outros exemplos mostra como a nossa sociedade líquida está ferida e caminhamos, como no filme, com medo e ao desconhecido.
Freud em sua obra “O Mal- Estar na Civilização” (1930-1936/2010) elucida:
O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à
decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a
ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra
nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos
relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte
talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro. Tendemos a encará-lo como uma
espécie de acréscimo gratuito, embora ele não possa ser menos fatidicamente
inevitável do que o sofrimento oriundo de outras fontes
Durante o filme acompanhamos um grupo de pessoas que perderam a visão, essa visão sendo uma metáfora para como enxergamos e lidamos com as contingências do nosso dia a dia. Esses sujeitos são enviados para um local isolado sem contato com o resto da sociedade. Nesse lugar começa a verdadeira realidade que nos confronta durante todo o filme: nossos instintos de fome, higiene, moral, ética e como temos que gerenciar essas questões frente ao desespero, medo, liderança dos grupos. E como a partir da convivência começa os agrupamentos das pessoas, o ódio, a violência.
As vésperas de uma eleição que se encontra em um período turbulento histórico-político-social instável, o medo se instala assim como o ódio. Flechas sendo atiradas de todos os lados e a sociedade civil (aquela que tem o poder dentro de uma democracia, teoria né mores) fica em um vendaval de notícias, pesquisas, propagandas eleitorais e por aí vai. Como escolher o certo no meio da incerteza e medo?
Também não sei se lhes responder a essa pergunta mas, assim como no filme, quando o grupo se junta e começa a trabalhar juntos, a funcionalidade dos processos comuns, como comer, higiene, achar suas casas e até a volta da visão veio por meio da união e não por meio de um regime totalitário e opressor. Em um momento frágil como estamos vivendo, prudência, calma, pesquisas e respeito são essenciais para não nos cegarmos diante ao medo e muito menos para não cairmos no poço da Samara.
Depois de todo o tempo que passou desde que o examinei,
deve estar como uma nuvem opaca: Vai ficar cego. Não, logo
que a vida estiver normalizada, que tudo comece a funcionar, opero-o, ser uma questão de semanas. Por que foi que
cegamos. Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a
razão. Queres que te diga 0 que penso, diz, penso que não
cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos
que, vendo, não vêem. (Ensaio Sobre a Cegueira – José Saramago)
Para saber mais sobre o nosso processo eleitoral, recomendo o ótimo artigo do psicanalista Humberto Oliveira “Eleições: algumas regras do jogo” link: https://goo.gl/asvUq9