É bom salientar um pouco da história do realizador iraniano Jafar Panahi, consagrado ao redor do mundo, é visto como inimigo público em seu país de origem, sendo mantido em prisão domiciliar, seus filmes são proibidos a serem exibidos em todo território do Irã, além do Estado espionar cada passo dado por ele. É uma vida literal em cárcere, coisa absurda visto o século que estamos, porém não é fato meramente isolado. O regime iraniano cerceia liberdades coletivas e individuais, estipula um manual de “convívio social”, ou seja, uma lavagem cerebral imposta para a sociedade desde os primórdios: na escola. Por quê é importante saber isso antes de falarmos do filme? Por simplesmente Táxi Teerã retratar de forma simples e natural grande parte dos males sociais e políticos causados por amplos fatores, mas um deles é pela ditadura grotesca vivida pelo país com certo consentimento popular ou mesmo acomodação social. O buraco é mais embaixo, obviamente, mas o que Panahi nos proporciona é um filme político, contudo não se baseia em proselitismo, partidarismo ou mesmo falta de conteúdo. É um grito por um ideal não pertencente a nenhuma cultura, porque é universal: A liberdade. Mesmo parecendo haver um estarrecedor silêncio que oblíqua o barulho libertário, ainda é uma daquelas obras necessárias, fundamentais para o cinema e aos espectadores, sobretudo por ser universal.
O filme é basicamente o diretor Panahi se passando como taxista em Teerã, capital do Irã, pegando distintos passageiros que vão dialogando de forma espontânea, assim como fazemos quando passamos pela mesma situação. É notória sua carisma, nos fazendo se sentir confortável para conversar e debater certos assuntos. Em dado momento, entra na “trama”, a sobrinha do diretor, que está tentando fazer um filme “exibível”, para competição de sua escola, tendo aquele já citado manual de boas maneiras para realizar tal feito, oposto dos filmes do tio, considerados infames para aquele regime. É certo que o longa-metragem se trata de um falso documentário, muita coisa pode ser encenada, mas sua magnitude nos temas em que se baseia não é prejudicada, ao contrário, se consegue abordar sutilmente uma amplitude de problemas sociais fáceis de identificar em outras lugares, em sociedades libertárias e ditas modernas. Como por exemplo, o machismo sufocante, deixando as mulheres reféns dos maridos, ou mesmo o complexo debate social sobre criminalidade… Enfim, é uma obra tão recheada que nos ganha facilmente na sua -curta- duração, ao longo de pouco mais de 1h e 20, nos sentimos passageiros daquele táxi, até sermos rebaixados a espectadores passivos de seu desolador desfecho.
“Táxi Teerã” ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano, infelizmente Panahi não pode comparecer para pegar seu prêmio pelo Estado autoritário não permitir sua saída do país, porém sua sobrinha foi e nos entregou um emblemático momento onde chora com o prêmio. Podem haver inúmeras justificativas ou pontos para defender a ovação ao filme, mas eu prefiro me conter no ponto, ao meu ver, mais intenso: Como o diretor consegue numa obra tão simples romper barreiras, usando a essência social e política do cinema como um instrumento conscientizador, comunicador paras as massas, sejam iranianas ou brasileiras. É um filme que, mesmo com um final desolador ou revoltante, nos deixa com esperanças, por termos muito mais mecanismos de nos unirmos contra um Estado de Exceção, por termos como nos mobilizar no simples ato de ver um longa-metragem que ousa afrontar aquelas regras esdrúxulas, mostrando que há um caminho diferente para ser seguido, resta apenas ousarmos mudar. Seja fazendo filmes ou como ativistas. Qualquer ato em nome da liberdade é amedrontador para aqueles que se nutrem do silêncio das ditaduras. Portanto, vamos fazer barulho, pelo Irã, por Panahi ou simplesmente pelo atrevimento de sonhar com um mundo melhor.
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