A estréia de um filme como “Martírio” em circuito nacional torna-se tão obrigatório quanto necessário num país em pleno estado de ebulição. Diante de tantos conflitos de interesse que permeia o ofício público, misturando o interesse privado com o coletivo, a questão do direito à terra é a mais diretamente afetada. Sofremos de um monopólio ruralista desde os primórdios do Brasil colônia, onde nos consolidamos como produtor de café. Hoje o país é o principal exportador de commodities, responsável por mais de um terço do PIB nacional. Diante disso, a força dos grandes latifundiários se sobressaem aqueles que, supostamente, representam o atraso, no caso os índios brasileiros, considerados representantes diretos do retrocesso econômico, social e produtivo deste setor.
Os índios brasileiros foram exterminados desde os tempos da colonização, pelo princípio natural, seriam eles os portadores legítimos do território brasileiro, porém foram surrupiados, escravizados e sofreram as maiores humilhações possíveis. Hoje, as poucas tribos existentes resistem pelo direito à terra e ao próprio ato de existir. É esse princípio que o longa documental de Vincent Carelli, mostrar como a tribo guarani-kaiowá luta pelos direitos constitucionais nos quais são usurpados por setores econômicos. É uma exclusão para além da social, passa para a questão humana, diante de tanta barbaridade nos quais eles são vitimizados, com os três poderes da República favoráveis aos poderosos do agronegócio – estes sendo hoje senadores e deputados.
O maior mérito do longa de Carelli é oferecer oportunidade aqueles que nunca são ouvidos em se expressar, em se sentir desmerecidos pela então presidenta Dilma Rousseff, que conquistou todos os votos da tribo e apoiou uma agenda pró-ruralista. Ou então mostrar como aquela tribo exige tão pouco e para os coronéis rurais oferecer o mínimo é muito. É um longa doloroso ao espectador, por se deparar com uma sociedade que a sociedade ignora -é difícil reconhecer ser parte disso – e que é atacada por simplesmente todos os setores da sociedade, até aqueles progressistas simplesmente não lutam pelos direitos indígenas, eles são soldados sozinhos numa luta alá Davi versus Golias.
É fundamental que se a pauta em prol dos direitos das tribos indígenas seja posto em pauta e efetivada de fato, doa a quem doer, contudo a mais triste realidade é se deparar que a Constituição brasileira é um documento artificial, que funciona de forma conveniente para aqueles que a manipulam em prol de conquistar mais poder, à favor de oprimir as minorias e setores considerados antagônicos ao poder econômico. É uma triste contatação, sobretudo em tempos de impeatchment sem fundamento, reforma da previdência que cerceia direitos e terceirizações que sucateiam o direito dos trabalhadores. Se tudo isso atinge a nós brasileiros comuns, imagina aos índios que não são reconhecidos nem como cidadãos do país, uma dura realidade, mas necessária ser vista e combatida, tornando “Martírio” uma experiência obrigatória e uma aula de história que deve ser vista, com urgência, por todas as gerações, sobretudo as novas.
Não é uma experiência fácil, mas soa necessário até para conhecer a construção da formação da sociedade brasileira e tentar descobrir em qual momento nós erramos.
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