Fogo no Mar

(Fuocoammare, 2016)

Direção: Gianfranco Rosi

Roteiro: Gianfranco Rosi, Carla Cattani

Elenco:

Duração: 109 minutos

Gênero: Documentário

Produção: Gianfranco Rosi, Paolo Del Brocco, Donatella Palermo

Distribuição: Imovision

País de Origem: Itália, França

Estreia no Brasil: 28 de Abril de 2016

Censura: 12 anos

Fogo No Mar 1

Não é mais algo raro a oportunidade singular oferecida por festivais de cinema, mas é raro o interesse de um grande público em tais eventos. O que culmina, por exemplo, em sessões com um público abaixo do esperado. Ao menos minhas expectativas eram de sessões lotadas nas três salas do Espaço Itaú de Cinema, em Curitiba.

A razão era a abertura do FICBIC (Festival Internacional de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba), que se deu com o documentário Fogo No Mar (Fuocoammare), vencedor do Urso de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Berlim e submissão italiana para a categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira do Oscar.

Expectativas à parte, é uma realidade que, em tempos nos quais a economia não vai bem, o FICBIC encontrou dificuldades em repetir a inesquecível empreitada do ano passado, ainda mais em um ano sem a Bienal Internacional de Curitiba completa, cuja edição mais recente ocorreu no ano passado e, portanto, só retornará em 2017.

Mas colocados os empecilhos de lado, aqui estamos e aqui está uma abertura e um filme que se fazem irretocáveis, onde mesmo que em sessões não lotadas, todos aqueles que compareceram, sem sombra de dúvidas, retiraram dali uma experiência que só o cinema pode proporcionar.

E o que proporciona o cinema de Gianfranco Rosi parece requerer, por parte do cineasta, uma frieza tamanha frente àquilo que se encara em seu documentário. O que retrata Fogo no Mar é a crise de imigração na Europa acompanhada a partir de Lampedusa, uma ilha na costa sul da Itália que se tornou linha de frente para os imigrantes.

No entanto, enquanto a ilha é acometida, em parte, pelas consequências da crise, que afetam de maneira até singela alguns poucos habitantes locais, outros vivem como se tal tragédia não estivesse por acontecer. Ao explorar esses divergentes pontos de vista, Gianfranco Rosi assume um papel de atento observador capaz de alterar percepções.

O que considero uma enorme frieza de Gianfranco Rosi é a maneira na qual ele encontra para contrapor ambas realidades, ao mesmo tempo tão gritantemente diferentes e que, ainda assim, praticamente coexistem lado a lado, como se a curta distância entre a tragédia e o bem-estar fosse quase imensurável.

Contudo, tal distância assim não pode ser, e aqui uma vez mais a mão e a mente do diretor se fazem valer. O maior otimismo que possivelmente é apresentando em Fogo no Mar se dá na maneira como um médico local intercala suas funções, precisando lidar tanto com os imigrantes como os habitantes nativos de sua ilha.

É como uma partida de futebol disputado por imigrantes de diferentes nacionalidades no acampamento local. Se ali há um momentâneo alívio, uma momentânea distração da mais cruel realidade que estes encararam ao longo de suas jornadas de vida até ali, o garoto Samuele Pucillo parece servir como função semelhante ao médico.

Porque a ingenuidade do garoto, frente não somente a crise e as milhares de vidas sendo perdidas logo ali, em alto mar, mas também ao funcionamento da vida no todo, serve como um porto seguro ao médico, que jamais conseguirá se acostumar aos imigrantes em situações desesperadoras e aos corpos sem vida que dia após dia são resgatados em alto mar.

Aí reside o real poder de Fogo no Mar, pois enquanto podia escolher culpados e tomar lados, a imparcialidade parece reinar. Que a crise dos imigrantes é uma consequência, resultante de situações onde há de se encontrar culpados, não é este o interesse de Gianfranco Rosi, e assim seu documentário se sobressaí.

Mas não sobre a tragédia. Se sobressaí em relação ao tanto que se noticia sem qualquer sensibilidade a situação de vítimas, se sobressaí na maneira com a qual, enquanto observador, consegue se aproximar de sujeitos em ambas as realidades, na maneira com a qual se deslumbra com a esperança, com uma ingenuidade intocada, ao mesmo tempo em que se desgosta da tragédia.

Porque se há algo que Fogo no Mar não é, e nem se vê na possibilidade de ser, é algo catártico ou que aja em prol de seu público. Pelo contrário, é tão incômoda a posição de observador quanto contundente. Ainda mais quando encarada nessa mesma forma com a qual Gianfranco Rosi se mostra tão capaz de realizar.

E assim não surpreende a escassez, quase plena, de documentários em circuitos comerciais, e suas exibições quase que ocorrendo, nos cinemas, somente durante festivais. Se numa ilha que serve de ancoragem para um trabalho de resgate inigualável, vozes no rádio se fazem não mais do que somente isso, quem dirá então em outro continente, do outro lado de um Oceano.

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