Todos os filmes dos estúdios Pixar, até aqui, retratavam tremendas odisseias nas quais acompanhamos personagens excêntricos em busca de seu próprio lugar no mundo, o reconhecimento de si próprio ou a superação de adversidades, caindo numa jornada edificante de transformação. Em todos os casos os protagonistas eram seres diferentes à frente das sociedades onde vivem, mas nunca tivemos que lidar com seres tão abstratos em sua definição quanto os personagens da nova animação do estúdio. É justamente isso o mais interessante em “Divertida Mente”, nova animação do estúdio, no qual as emoções são os personagens principais, exatamente isso: Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllips Smith), Medo (Bill Halder), Raiva (Lewis Black) e Nojinho (Mindy Kalling) são os sentimentos bases dos seres humanos, controlando nossas funções diárias em um tipo de centro de controle no interior de nossa mente, estabelecendo nossas memórias e, consequentemente, a nossa personalidade. Nesse ideia chave que adentramos numa das animações mais criativas e ousadas dos últimos tempos, incrivelmente surpreendente.
Se cada pessoa tem suas emoções, a trama gira em torno das de Riley (Kaitlyn Dias), uma menina extrovertida e alegre. Repentinamente sua vida sofre uma brusca mudança, tendo que se mudar para São Francisco devido o trabalho de seu pai, o que a faz sofrer um doloroso processo de adaptação, odiando seu novo cotidiano. Dentro de sua mente, a Alegria tenta assumir as rédeas da situação, sobretudo em anular sua parceira Tristeza, porém isso leva à perda das memórias base, os tipos especiais de lembrança que nos definem, o que faz a menina entrar em declínio, com isso as duas emoções são forçadas a percorrerem os limites da mente da jovem em busca das fundamentais memórias. Paralelamente, Raiva, Medo e Nojinho revesam o comando, contribuindo ainda mais para a crise de Riley, perdendo aos poucos a si mesma. Eis então a odisseia mais complexa e paradoxalmente simples da Pixar.
Após a cabine de imprensa, muitos dos meus colegas críticas se sentiram incomodados com a simplicidade do roteiro, de fato é a impressão inicial numa primeira olhada. Contudo, no processo de “digestão” do filme se percebe o quão potente e maduro de fato ele é, tendo seu alicerce principal em sua argumentação fecunda. O roteiro consegue dispor de uma maturidade e clareza difíceis de serem atingidas, pela grande originalidade nas ideias e pelo desenvolvimento das mesmas. Primeiro em sintetizar o ser humano em emoções bases presentes no decorrer do dia-à-dia; segundo em personificar estas ao ponto de dar sentimentos para nossos próprios sentimentos; terceiro em mostrar a co-dependência de todos os nossos sentimentos tem com seus opostos, no exemplo principal de não haver alegria sem a tristeza, são complementares entre si. Nessa variação constante que cada um tem que nos fazem seres humanos singulares. É uma animação seria, complexa em vários pontos, filosófica em outros, sobretudo quando pensarmos no conceito de memória e na concepção de cada sentimento, nesse fato de deixarmos eles nos “controlarem”. Contudo, não tem a pretensão de ser um filme metido a besta, chamando ainda mais atenção por sua capacidade em induzir o público a reflexão sem soar exagerado ou meramente monótono.
Sem dúvidas um dos longas animados mais maduros feitos recentemente, consegue ser empático ao mesmo tempo que emociona e engrandece o espectador. Feito para crianças? Sim, elas vão se divertir bastante, porém é passível que muitas não compreendam tanto a essência da temática, deixando esse encargo para os adultos. Enfim, como todo filme da Pixar, é uma jornada de transformação na qual não só os personagens terminam diferente, o público também, tornando a experiência cinematográfica genuína e única.
OBS: A versão dublada foi exibida para nós, o que claramente prejudicou o filme, se puderem vejam legendado.
TRAILER LEGENDADO