É injusto perceber que “Califórnia” ganhou notoriedade por simplesmente ser o primeiro longa-metragem de ficção da ex-apresentadora da MTV, Marina Person. Injusto simplesmente pelo rótulo diminuir o potencial do filme, que vai muito além de um simples nome, consegue ser um retrato geracional e expor questões pertinentes, universais e culturais, encantadores para qualquer público. Particularmente, quando fui conferir tinha minhas dúvidas de como seria essa estréia de Person como diretora, sobretudo pela dificuldade em juntar a temática do amadurecimento da juventude junto com as transformações que a sociedade brasileira passava no final dos anos 80, temas complicados de serem debatidos. Mas, felizmente, me surpreendi com a capacidade da diretora em reconstituir os anos 80 de forma tão verossímil, juntando questões tão singulares e atemporais da juventude, parece que por mais que tenhamos avançar, poucas coisas de fato mudaram, a essência dos jovens brasileiros permaneceu os mesmo. Os instrumentos mudaram, junto com o mundo globalizado, a democracia se consolidou, as instituições se fortificaram, o Brasil virou um país mais jovem, maduro e estável, porém sofrendo ainda da imaturidade de inúmeras questões, decorrente sobretudo por essa geração tão anêmica, com si, com sua vida e com os assuntos do país, no geral.
Estela (Clara Gallo) é uma jovem paulista de classe média, seu corpo passa por transformações assim como o país, seu tio (Caio Blatt) é sua maior referência, por ele ter tido a coragem de viajar o mundo trabalhando como música, cobrindo shows e vivendo o melhor da vida, sua maior ambição é ir passar suas férias na Califórnia, nos Estados Unidos, com ele. Contudo, nem tudo acontece da forma como ela deseja, quando seu tio retorna debilitado, sem muitas explicações, gerando inúmeras incógnitas na cabeça da menina. Paralelamente, um aluno diferente dos colegas héteros-normativos entra em cena, o que deixa “Teca” ainda mais confusa do que é certo ou errado, isso em plena revolução sexual ocorrendo nos anos 80, com o Brasil passando pelo processo de redemocratização, com o movimento de Diretas Já. Ponto interessante evidenciar aquela geração nascida e desenvolvida sob o regime sombrio de Exceção, com maior rigidez e opressão e menores direitos e liberdades, tenta ser mais libertária, visando uma visa para além das fronteiras espaciais. Parece não haver limitação para os sonhos, seja por um país democrático e socialmente justo ou uma acessível viagem ao lado de um ente querido. É um reflexo de uma geração com esperança em si mesmo, no futuro, no país, nos seus sonhos, com esperança de fazer e acontecer ao mesmo tempo com aquela apatia por não achar mecanismos e nem motivações para lutar, compreender o diferente, sair da zona de conforto e do convencional. Nessa perspectiva, o filme de Person se mostra maduro e certeiro diante de pontos tão delicados, em existência e evidência nos dias atuais.
O outro ponto (ou contra-ponto) é mostrar que aquela geração da diretora falhou com a nossa, suas esperanças, sonhos, expectativas… Parece que não se concretizaram na forma de fazer a minha geração mais ativa e participante. Bem ao contrário: a atual geração, vinda do mundo tecnológico e globalizado, é cada vez mais individualista, no seu mundinho, sem causas e nem interesses, é anestesiada de uma forma grotesca, banal, pois não liga por absolutamente nada além do trivial. É uma frustração evidenciar o pouco caso que os jovens fazem por nossa História, pela (re) conquista da democracia, alguns exemplos a justificar percalços que o país vive nos últimos anos, mesmo com as transformações sociais sofridas no Brasil. É uma tendência apática difícil de se solucionar, parece não haver antídoto, deixando a amarga constatação que as gerações futuras tendem a serem piores… Algo totalmente preocupante.
No âmbito das atuações, todos saem bem nos papeis que são selecionadas, a protagonista Clara Gallo é carismática e constrói sua personagem sem tiques ou vícios comuns a esse tipo de papel, o ator estreante Caio Horowicz passa a ser uma revelação, faz talvez a melhor performance do longa, eclipsa em cena em seus momentos, abusa dos esteriótipos proferidos ao seu personagem, mas vai além e dá personalidade, fugindo da mera caricatura. Já o núcleo familiar, confesso que achei meio falho, um pouco caricato demais, não sai do senso comum , tendo um bom elenco desperdiçado, pouco explorado e sem ápices dramáticos, algo imprescindível num filme de tal temática, uma falha conjunta de roteiro, direção e montagem, prejudicando ótimos nomes como de Virgínia Cavendish e Caio Blatt. A direção de Marina Person foge de uma falha comum, faz um filme nostálgico, usa uma trilha sonora muito bem aproveitada, porém não se aproveita apenas disso, constrói um sentimento genuinamente próprio, proporcionando um filme descolado, bem realizado e divertido. Um filme de gênero nacional, desde já uma joia para o nosso cinema, uma reencontro de tempos para os mais velhos e uma reflexão para os mais jovens.
TRAILER
https://www.youtube.com/watch?v=69Q9qWqoVJY