Crítica | Anora

Sean Baker é um dos nomes mais interessantes a ter ganhado força no cinema estadunidense na última década, se tornando proeminente pela forma como é capaz de abordar figuras marginalizadas com naturalidade e extraindo excelentes e marcantes atuações de seu elenco, independentemente do status da carreira de qualquer um presente ali, vide “O Projeto Flórida”, talvez seu filme de maior sucesso até o cineasta se consagrar vencedor da Palma de Ouro em Cannes com “Anora”. Protagonizado por Mikey Madison -que para quem não conhece recomendo fortemente uma maratona de “Better Things”, onde a atriz contracena com Pamela Adlon-, o filme conta a história de uma “dançarina erótica” chamada Anora, ou Ani como ela prefere. Trabalhando numa boate no Brooklyn, em Nova Iorque, ela é introduzida a Vanya (Mark Eydelshteyn), herdeiro de um oligarca russo, que entre uma dança e outra, além de encontros casuais, lhe oferece uma quantia em dinheiro em troca de uma semana de namoro com ela. Em meio à luxúria desses momentos, ambos vêem uma oportunidade, e o acordo acaba tomando uma forma maior e tornando a situação conjugal dos dois em puro caos e correria enquanto Baker nos conduz por Nova Iorque explorando as nuances de seus personagens.

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Gosto como Sean Baker deixa bem claro diversos elementos de “Anora” desde o princípio, sem iludir ao espectador ou sua protagonista, desenvolvendo muito bem essa ideia de deslumbramento, mas sem trespassar uma ingenuidade, é o sonho americano sendo vivido tanto por Anora como Vanya, mas de formas e ângulos diferentes, onde cada um tira proveito a sua maneira e, obviamente, as consequências existem ali para ambos. Porém, acredito que na primeira parte do filme isso é muito melhor estabelecido, com um tom mais dramático e ligeiramente cômico justamente por esse transporte à uma vida extraordinária, desenvolvido pautando a Ani de Mikey Madison, que brilha na primeira parte por sua irreverência e, na última, por seu momento em que nos faz refletir sobre tudo aquilo que vivemos com sua personagem ao longo das mais de duas horas de filme. Madison e Baker conseguem construir muito bem esta personagem que é, realmente, quem conduz o filme a cada nova descoberta sobre sua personalidade e sua vida, evocadas pelas reações e ações de uma atuação até lúdica de Madison. O que faz ela elevar sua performance, no entanto, é como conseguimos fazer uma leitura dessa faceta tragicômica que toma conta da vida de sua personagem, e Mikey Madison faz isso de maneira contundente.

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O que faz “Anora” destoar muito em sua segunda parte, depois da primeira hora, quando se torna um filme de tom completamente diferente e com outras características, que mais se assemelham ao que se esperaria de um filme dos Irmãos Safdie (“Bom Comportamento”) ou dos irmãos Coen, tendo um ritmo frenético e se constituindo praticamente como uma “comédia de erros”. Não deixa de arrancar risadas, pois obviamente é divertido e entretém, contudo, parece divergir daquilo que fomos introduzidos de início e, em momento algum retorna àquela forma, talvez numa tentativa de ser impactante e tentar quebrar estereótipos, como através do Igor de um surpreendente Yura Borisov. Mesmo com algumas virtudes, “Anora” divaga demais por vários momentos e acredito que aqui falta a Sean Baker mais daquilo que fez “O Projeto Flórida” tão sublime, porque mesmo sem julgar ou criar preconceitos de seus personagens, suas ações eram vistas através de suas próprias perspectivas, mas “Anora” falha nesse sentido, porque confunde seu ponto de vista e perde o foco de sua protagonista, tirando um pouco da força de sua narrativa para se tornar senão um pastelão, então algo de mau gosto em determinado momento, andando sob uma linha tênue da qual dificilmente consegue se recuperar no todo depois.

Anora” – Trailer Legendado:

Anora” (2024); Direção: Sean Baker; Roteiro: Sean Baker; Elenco: Mikey Madison, Mark Eydelshteyn, Yura Borisov, Karren Karagulian, Vache Tovmasyan, Aleksei Serebryakov; Duração: 139 minutos; Gênero: Drama, Comédia; Produção: Alex Coco, Samantha Quan, Sean Baker; País: Estados Unidos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia no Brasil: 23 de Janeiro de 2025;

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