Marvel’s Luke Cage
(Netflix, 2016-)
Direção: Paul McGuigan, Guillermo Navarro, Vincenzo Natali, Marc Jobst, Sam Miller, Andy Goddard, Magnus Martens, Tom Shankland, Stephen Surjik, George Tillman Jr., Phil Abraham, Clark Johnson
Roteiro: Cheo Hodari Coker, Matt Owens, Charles Murray, Jason Horwitch, Nathan Louis Jackson, Akela Cooper, Aïda Mashaka Croal, Christian Taylor
Elenco: Mike Colter, Mahershala Ali, Simone Missick, Theo Rossi, Erik LaRay Harvey, Rosario Dawson, Alfre Woodard, Frank Whaley, Ron Cephas Jones, Jacob Vargas, Michael Kostroff, Karen Pittman, Frankie Faison, Parisa Fitz-Henley
Número de Episódios: 13 episódios
Data de Lançamento: 30 de Setembro de 2016
Classificação Indicativa: Não recomendado para menores de 18 anos
Crítica com Spoilers.
Luke Cage (Marvel’s Luke Cage) é a terceira série da parceria entre Marvel e Netflix, que abriu oportunidades de se explorar além de barreiras imaginárias, e xenofóbicas, do Universo Cinemático Marvel da parte que se dá, de fato, nos cinemas. Se em Jessica Jones tivemos a primeira super-heroína protagonista desse Universo, com direito a diversos debates relevantes, o Luke Cage de Mike Colter se torna também pioneiro nessa nova era da Marvel. No entanto, como você pode facilmente encontrar alguém falando por aí, a série não é sobre um herói negro, mas um negro que precisa virar herói, uma realidade explorada com paixão por Cheo Hodari Coker, criador e showrunner da série.
Na série, Luke Cage está vivendo no Harlem, onde mantém demasiada discrição para continuar seguindo em paz com sua vida. Trabalhando em dois empregos, na barbearia de Pop (Frankie Faison), ponto seguro do Harlem, e na boate Harlem’s Paradise, de Cornell “Boca de Algodão” Stokes (Mahershala Ali), lugar que tem em seu nome a maior ironia da série. Quando certas circunstâncias fazem com que o destino de ambos os lugares se cruzem, não só a discrição preterida por Luke Cage vai pelos ares, como a própria prosperidade que a barbearia tentava trazer àquela comunidade.
Se as habilidades extraordinárias do personagem titular davam a impressão de que veríamos a série mais violenta e brutal da Marvel em termos de luta e ação, há uma subversão impressionante de expectativas, onde somos entregues à uma narrativa muito mais focada na representatividade, sincera e de qualidade, do que nas fantasias às quais se aspira no Universo Cinemático Marvel. Assim, a proposta das séries do estúdio em parceria com a Netflix tem o seu ápice aqui, porque é a experiência mais próxima de um realismo ao qual se atentam as duas temporadas de Demolidor, que de grande nome nesse Universo, passa a precisar correr atrás do prejuízo.
Até porque violenta e brutal Luke Cage consegue ser, em níveis ainda mais contundentes. Assim como Jessica Jones fez em relação a igualdade de gênero, Luke Cage levanta questionamentos, principalmente morais, em relação à violência policial e toda uma problemática envolvendo os afro-americanos. Tanto que há cenas memoráveis e que não necessariamente envolvem o personagem, mas o ideal que a série aborda. A violenta busca por Luke Cage após a morte de um policial é incômoda e chocante, principalmente quando culmina no resultado que vemos do excesso de força policial e, para problematizar ainda mais, partindo de um oficial afro-americano.
Contudo, somos gratificados quando temos outra sequência envolvendo uma marca icônica gerada acidentalmente por Luke Cage, onde a população do Harlem abraça o moletom e o capuz como um uniforme do seu novo herói e, facilmente replicável, acaba sendo difundido por todos. Qual importância não ganha, então, a conotação da música Bulletproof Love, que embala tal sequência. São esses pequenos detalhes na trama da série que se fazem grandiosos, que fazem com que o trabalho de Cheo Hodari Coker surta não só o efeito desejado, mas uma profunda reflexão sobre a situação contemporânea.
Surtiria efeito ainda maior se todo o restante colaborasse da mesma maneira. No entanto, enquanto o roteiro de Luke Cage consegue ser certeiro em determinados quesitos, consegue errar igualmente de maneira decepcionante em outros. A principal dificuldade são os diálogos, e o problema é que esta é praticamente a base na qual a série se estabelece. Por mais que funcione em situações mais descontraídas, em momentos em que o assunto é sério, soam exatamente como a Claire Temple de Rosario Dawson taxa as falas de Luke na segunda metade da temporada.
Longos diálogos, no entanto, servem também para estender a temporada no todo. O que é um infortúnio quando Luke Cage parece segmentar-se em duas diferentes partes. Só que enquanto a primeira parte funciona de maneira envolvente, a segunda parte se revela até enfadonha, decaindo para uma simplicidade que se esbarra em clichês e clama por criatividade. Algumas pequenas mudanças e teríamos uma ótima temporada de oito episódios, com o restante podendo ser desenvolvido muito mais satisfatoriamente numa segunda temporada igualmente curta. Porém, não sendo este o caso, somos fadados a ver algo com tanto potencial definhar-se lentamente ao longo dos episódios.
O que acontece muito por conta das transições entre vilões. A Mariah de Alfre Woodard merecia mais sutileza, mas figura no meio do caminho entre o que podia ter sido e o que é o Shades de Theo Rossi, personagem que se mostra uma das maiores infelicidades de toda a série. Assim como o caricato vilão Diamondback de Erik LaRay Harvey, que carecia não só de maior sutileza em seu desenvolvimento, mas uma maior atenção e certa delicadeza ao retratar ao personagem. Assim, com a mesma pompa na qual é introduzido na série, Diamondback faz todo o possível para deixá-la na típica fórmula dos vilões contemporâneos.
Ou fórmula de quase todos, porque com a exceção de alguns diálogos introdutórios que entregam demais, o Boca de Algodão de Mahershala Ali foi construído para ser lembrado. Independentemente de planos que dão errado, diferentemente do vilão que o substituí e se torna inimigo por tais motivos, Boca de Algodão é muito mais uma vítima. E Mahershala Ali retrata exatamente o desenvolvimento ao qual somos apresentados em seu derradeiro episódio, onde compreendemos plenamente as diversas facetas e decisões de seu personagem, numa atuação que se revela merecedora de louvores. A ambiguidade presente na vida do personagem não poderia se encerrar de outra forma senão uma tragédia anticlimática.
Mas se Mahershala Ali (House of Cards) já era um nome conhecido e fez o que se esperava dele, a grande surpresa no elenco é, sem dúvidas, Simone Missick e sua Misty Knight. Uma personagem tão interessante quanto o protagonista da série e que é carregada por uma atuação extremamente convincente, funcionando quase como parte independente em Luke Cage. O mais interessante, no entanto, é como ela acaba sendo desenvolvida baseada em sua integridade e, temendo uma mesma falha num corrompido sistema que a série aborda, trai a si mesma por conta dos próprios receios, numa outra trágica conclusão das tramas presentes na série.
E se alguém fica devendo, este é Mike Colter, que não faz mais do que um trabalho mediano com seu Luke Cage. Faltou mais do ator para que fosse possível nos convencer de seu personagem em mais ocasiões, terminando por nos entregar trejeitos e feições que não agregam muito ao personagem, que se sobressaí mais pela ideia do roteiro, do que o ator em si. Suas cenas de luta, todavia, condizem com a proposta da série, e nesses momentos é que Mike Colter se saí melhor, representando com clareza o herói de nível urbano que é Luke Cage.
Onde esse nível que Cheo Hodari Coker quis estabelecer com Luke Cage fala mais alto é claramente na trilha sonora da série. Em composições que conversam com e dão uma faceta blaxploitation à Luke Cage, a série demonstra com serenidade o que há em seu âmago e qual sua índole. Embalando dos piores aos melhores momentos, a trilha sonora parece ter recebido muito mais atenção que todo o restante na série. Toda sua classe e seu estilo sintetizam algo que Luke Cage aspira a ser, mas ainda não é. As leis da rua se fizeram valer, agora falta à série fazer jus a elas.
2 Comments
Pingback: Série Limitada Godless Ganha Teaser Trailer - Cine Eterno
Pingback: Crítica | Paixão Obsessiva (Unforgettable, 2017) - Cine Eterno