Título Original: The Giver
Direção: Phillip Noyce
Roteiro: Michael Mitnick e Robert B. Weide
Elenco: Meryl Streep, Jeff Bridges, Katie Holmes, Alexander Skarsgård, Brenton Thwaites, Taylor Swift
Estreia no Brasil: 11 de setembro de 2014
Gênero: Drama/ Ficção
Duração: 90 minutos
A ânsia dos estúdios em emplacar uma nova franquia teen, a fim de preencher o vazio deixado por Harry Potter (2001-2011), é intensificada a medida que o tempo passa, a qualidade das obras passam a ficar em segundo plano, sendo fundamental a conquista de um lugar ao sol e, consequentemente, bilheteria. Seguindo esta lógica, tivemos anteriormente “Jogos Vorazes”, recentemente “Divergente” e agora, “O Doador de Memórias”. Vale destacar, as três franquias citadas apresentam similaridade: todos são sobre jovens distintos que conseguem se destacar em meio a um regime distópico, sendo a esperança de iniciar um novo tempo.
Apesar das semelhanças, entretanto, O Doador de Memórias (The Giver, no original) foi o percussor desta temática “distopia”, visto o enorme sucesso da obra original escrita por Lois Lowry, em 1993. Foi um tanto que tardia o cinema resolver adapta-la, principalmente pelo potencial da obra original. Porém, eis que chega, nesta quinta (11), a -primeira- adaptação do livro, contando com um gabaritado e chamativo elenco, sob o comando de Phillip Noyce, mesmo de Salt (2010).
Na trama, a “Comunidade” pós-apocalíptica se reorganiza após inúmeros conflitos que a tombaram, para evitar futuros, os “Anciões”, líderes de tal sistema, aprisionam todas as memórias referente ao mundo antigo, padronizando assim este mundo, com funções pré-estabelecidas, bens individuais controlados, sentimentos humanos contidos, ou seja, uma sociedade sem autocrítica, igualitária no princípio mais rudimentar existente, livre de preconceitos e questionamentos, fazendo os indivíduos seguirem as ordens e regras impostas de forma natural e perpetua. Para a manutenção deste sistema, tal comunidade apresenta a líder dos anciões (Meryl Streep), estabelece as funções para as futuras gerações e o término das antigas, e o Doador (Jeff Bridges), portador das memórias da humanidade, tendo que “doa-las” para o “recebedor de memórias”, seu sucessor, eis que é escolhido para tal função Jonas (Brenton Thwaites), um jovem inquieto com tal cenário, após conhecer o passado começa a questionar o sistema vigente, percebendo a necessidade de libertar o povo deste cárcere constante.
O longa-metragem apresenta bastante simplicidade, não tentando ir além de suas limitações e ainda apresentando uma duração bastante enxuta, porém ao mesmo tempo que possa parecer um mérito, é um tremendo defeito. O potencial do material original é desperdiçado, tendo uma argumentação preliminar bastante instigante, porém abordada em sua versão cinematográfica de forma simplória e diminuída, demonstrando interferência direta do estúdio, querendo rebaixar o nível do roteiro devido ao público alvo, sendo uma decepção sobretudo aos que ainda acreditam na possibilidade do gênero inovar, porém fazendo estes buscarem o livro homônimo com a esperança de terem suas expectativas atendidas.
O mais chamativo, ao meu ver, deste filme é o paralelo traçado entre o Estado Utópico, inatingível e “ideal”- sem males sociais- e o Distópico, por se tratar de um regime totalitário, limitador de liberdades e sentimentos, ousando ainda estabelecer parâmetros ideias a ser aceito em tal sociedade. Não deixa de ser uma metáfora aos regimes nazi-fascistas, no seu auge durante as décadas de 30 e 40, principalmente por esta “Comunidade” padronizar um padrão estético, todos são absolutamente brancos, não há existência de negros, além das cores simplesmente terem sido exterminadas. Não deixa de ser uma reflexão sobre as amarras que prendem os indivíduos em qualquer sociedade, sendo imperceptíveis aos que não questionam.
É triste ver o desperdício do elenco tão estrelado, nenhum consegue dizer a que veio, tão pouco seus respectivos personagens apresentam momentos realmente empolgante. Meryl Streep faz uma vilã caricata e apagada, chega a ser uma mistura de sua Miranda Priestly (0 Diabo Veste Prada, 2006) com sua recente Margaret Thatcher (A Dama de Ferro, 2011), ambos papeis lhe renderam uma indicação ao Oscar, sendo o último sua terceira vitória, porém este filme nada deve lhe render, o jeito é esperar Caminhos da Floresta (Rob Mashall, previsto para janeiro de 2015), para ver se a grande atriz consegue emplacar novamente ao mais importante prêmio do cinema. Jeff Bridges consegue até convencer, sai do modo automático e demonstra ainda ser um ator que vale a pena se conferir, porém são tão poucos os momentos concebidos, não aproveitando o potencial do veterano, ainda contracenando com a inexpressiva Taylor Swift e Brenton Thwaites, um ator esforçado, mas ainda necessitando de muito para demonstrar ser um promissor profissional.
Por te tratar de uma adaptação “teen”, é irônico perceber a ausência dos principais adereços chamativos ao público, não há muita ação e tão pouco romance distópico, se tenta substituir por pitadas de reflexão e filosofia, sendo isto ser o último para quem vai buscar o longa-metragem. Infelizmente, passa a ser perceptível que a argumentação e sua execução foram comprometidas visando se adaptar ao nível de tal público alvo, aqueles que valorizam o gigantismo visual acompanhado com nanismo de ideias. É lamentável as concessões feitas pelo diretor Phillip Noyce, o que me faz crer: se fosse um filme independente, sem compromisso com o lucro, teríamos o Fahrenhet 451 (1966, François Truffaut) da década. Porém, não deixa de ser mais um caso da mercantilização do cinema- cultura de massa, em geral-, prejudicando sua qualidade. É a oportunidade perdida de refletir sobre parâmetros sociais regentes, permitindo muitas vezes a ascensão de regimes ditatórias, passando a ser fundamental conhecermos o passado antes de seguir em frente, sem nunca rescreve-lo.
Outra ironia dada pelo longa é ajudar na manutenção justamente daquilo que crítica, de uma sociedade engessada e sem autocrítica. Contudo é um constatação que apenas poucos irão perceber, visto a vastidão de pessoas com pretensão de assistir ao filme com objetivo de assistir 5 minutos da cantora Taylor Swift fazendo caretas e tentando atuar. É, não deixa de ser uma distopia, resta aguardarmos a próxima.
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