O Agente Secreto 01

Crítica | O Agente Secreto

O cinema de Kleber Mendonça Filho (“Bacurau”) é sempre de um reconhecimento entre passado e futuro (ou contemporâneo), com a consciência de que as duas coisas são uma só e memória e identidade estão profundamente conectadas a esta passagem do tempo, estando ali tanto o apagamento como o resgate de memórias que formam, ou transformam, pessoas e sociedade. Um dos meios mais importantes de falar sobre isso é o audiovisual, por isso o cinema sendo um personagem tão presente e pulsante nas obras de KMF e em “O Agente Secreto” ele é personagem fundamental e acredito que compartilha muito das experiências às quais o cineasta viveu. Não é à toa, portanto, que o filme protagonizado por Wagner Moura tenha toda uma aura nostálgica muito forte enquanto o personagem principal, após  ter se tornado uma persona non grata para o governo durante os anos da ditadura militar, retorna para sua terra natal em busca de refúgio, passeando por cenários que reconstituem a capital pernambucana de meados dos anos 70 de maneira impressionante, num misto de naturalidade e memória afetiva que fazem deste, talvez, o filme mais impressionante esteticamente e, com certeza, o mais acolhedor de KMF, sem deixar de ser lúdico quando possível.

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O Agente Secreto” é um filme complexo e completo, e ainda que lide com temáticas similares a “Ainda Estou Aqui” é completamente diferente, se distanciando um pouco do melodrama, mas sem deixar de ter sua força emocional presente ali. É bonito ver o cinema nacional tendo obras tão grandes e poderosas surgindo assim, tão próximas uma da outra, de forma que quase se complementam para tecer essa paisagem de um Brasil rico em diversidade. Assim, o filme começa quase que num presságio do que está por vir, porque há algo estranho no ar, ainda que a sensação que impere durante grande parte do filme seja aquele sentimento singular de retornar para casa. É algo quase palpável, e KMF preenche esse lugar que chama de lar com personagens, imaginários ou não, que podem até ser caricatos, mas que emprestam à história uma vivacidade que torna o filme num retrato identitário muito forte. No entanto, é uma via de mão dupla, pois há essas caricaturas que, apesar de entreterem e funcionarem naquele cenário, são superficiais a ponto de se fazerem sentir com que “O Agente Secreto” divague por caminhos que o distraem de sua trama principal e, infelizmente, enfraquecem sua conclusão, ainda que o clímax seja eletrizante.

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A maneira como Kleber Mendonça Filho conduz a parte thriller político de “O Agente Secreto” é sempre muito efetiva, tanto no começo como no final, e a fusão dela com a parte mais “emocional”, que envolve toda a experiência com as salas de cinema ali, são sublimes. É algo muito especial, uma sensação mágica que KMF tenta reproduzir, por exemplo, na sequência mais lúdica do filme, com a “perna cabeluda”, mas são essas sequências que soam muito deslocadas de todo o restante que enfraquecem o todo, bem como uma subtrama à qual somos introduzidos já bem lá para meados do filme, que surtem pouco efeito porque além de serem sequências avulsas e bem aquém do restante (visualmente e nos diálogos), também destilam sobre “O Agente Secreto” toda uma verborragia e exposição de roteiro que chegam a ser irritantes, é evidente uma quebra no ritmo do filme em dados momentos. É compreensível o que KMF tenta fazer, mas não vale a pena porque não é o suficiente para sustentar a engenhosa conclusão da trama principal. A forma como o mote central é resolvido diz respeito a melhor parte de “O Agente Secreto”, porque é esse apagamento da história e como buscamos e reconstituímos essas memórias, ou simplesmente a aceitamos ingenuamente como inexistentes. A riqueza do filme está aí, nesse retrato e o que ele representa, que não é algo efêmero e muito menos uma experiência singular, é o que molda o caráter de uma nação. E em tudo aquilo que Kleber Mendonça Filho resgata aqui vemos como o brasileiro merece demais a felicidade que nem mil carnavais serão capazes de proporcionar.

O Agente Secreto” – Trailer Oficial:

O Agente Secreto” (2025); Direção:  Kléber Mendonça Filho; Roteiro: Kléber Mendonça Filho; Elenco: Wagner Moura, Carlos Francisco, Tânia Maria, Robério Diógenes, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Roney Villela, Hermila Guedes, Isabél Zuaa; Duração: 160 minutos; Gênero: Drama, Policial; Produção: Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho; País: Brasil, França, Países Baixos, Alemanha; Distribuição: Vitrine Filmes; Estreia no Brasil: 30 de Outubro de 2025;

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