Bong Joon-Ho já teve algumas experiências no cinema estadunidense abaixo das expectativas, uma delas extremamente caótica por conflitos com os produtores, em “O Expresso do Amanhã”, e outra, “Okja”, que acaba meio esquecida por ter sido lançada pela Netflix. Tanto é que o cineasta só dominou Hollywood, finalmente, com um filme feito e falado em sua língua e país natal, com “Parasita”, sucesso global que lhe rendeu 3 Oscars, além de ser o primeiro filme em língua estrangeira a vencer a categoria de Melhor Filme. Depois do feito histórico, Joon-Ho, aparentemente, tinha carta branca para fazer o que quisesse. Após ter sua estreia adiada algumas vezes, o realizador retorna aos cinemas com uma nova produção depois de 6 anos, com muitas estrelas de Hollywood lideradas por uma dupla de Robert Pattinsons (“Batman”) em “Mickey 17”, filme que conta a história de Mickey Barnes (Pattinson) funcionário que trabalha como “descartável” na viagem da colônia espacial comandada por Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua esposa, Ylfa (Toni Collette). O papel do descartável, defendido ferrenhamente pelo político que é Marshall, consiste em alguém que é exposto a todos os tipos de perigo e testes, descartado e, posteriormente, clonado tendo suas memórias replicadas no novo corpo.

Por mais que alguns elementos entrem em cena um pouco depois, “Mickey 17” reúne tudo aquilo que permeia a filmografia de Bong Joon-Ho, com pinceladas de cada obra que aqui se mesclam naquele que é seu filme de maior escala até então. É bom ver como o cineasta não foge de suas raízes, e provavelmente é o que torna este filme algo que é essencialmente divertido, muito bem equilibrado com os comentários sociais, sejam eles mais ou menos explícitos, que Joon-Ho desenvolve aqui. Nada que seja revolucionário também, e talvez até mais contido do que estamos acostumados, até porque bastante do que vemos aqui, se não é superficial é, no entanto, algo que ficou saturado nos últimos tempos. Personagens como o de Mark Ruffalo (“Pobres Criaturas”), mesmo intencionalmente caricatos, precisam de mais complexidade do que o ator é capaz de entregar, porque o que vemos aqui decai num maniqueísmo barato que serve um propósito único, sem que se seja capaz de estabelecer um antagonista à altura do que “Mickey 17” merece. O tom bem humorado do filme é bem-vindo, e longe de ser um problema, mas transforma suas resoluções em algo bastante simplista, muito diferente, por exemplo, das nuances que encontramos em “Parasita” e que temos certeza que Bong Joon-Ho é capaz de entregar.

É também uma consequência de “Mickey 17” ter tantas subtramas simultâneas, porque os protagonistas em si não são ruins, e não somente os clones interpretados por Robert Pattinson. Acredito que a essa altura do campeonato já é plena certeza a qualidade do trabalho de Pattinson, e mais uma vez ele entrega o necessário a um filme, conseguindo ser tanto engraçado, como frágil, irado ou o que for preciso, é realmente a alma do filme, junto de Naomie Ackie (“Pisque Duas Vezes”). Ackie dá um contrapeso necessário, menos ingênuo, e complementa a narrativa emocionalmente, mas ao mesmo tempo em que Bong Joon-Ho é piegas com seu romance -e não é exatamente algo ruim-, ele faz coisas que muitos outros tem pudor de tentar. Essa irreverência é o que torna “Mickey 17” em uma experiência deliciosa, mesmo que todo o demais acabe por ser ligeiramente aquém dos pontos altos do filme, porque mesmo personagens com tramas falhas como os de Steven Yeun e Anamaria Vartolomei são interessantes e deixam um gostinho de quero mais. Porque Bong Joon-Ho constrói e conduz esse universo com muita fluidez, ainda que com simplicidade, e usa muito bem todo o orçamento a sua disposição, entregando em “Mickey 17” uma ficção científica com boas sequências de ação, muito bem humorada e com alma e consciência de classe, algo que é raridade nas grandes produções de Hollywood nos dias atuais.
“Mickey 17” – Trailer Legendado:
“Mickey 17” (2025); Direção: Bong Joon-Ho; Roteiro: Bong Joon-Ho; Elenco: Robert Pattinson, Naomi Ackie, Steven Yeun, Toni Collette, Mark Ruffalo, Anamaria Vartolomei; Duração: 137 minutos; Gênero: Ação, Ficção Científica, Comédia; Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Bong Joon-Ho, Dooho Choi; País: Coreia do Sul, Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 06 de Março de 2025;