Bob Dylan dispensa apresentações, ou ao menos é o que se imagina, dado o tanto que influenciou a música e a cultura estadunidense, obviamente sendo difundido em escala global como é de praxe do consumismo por parte dos Estados Unidos e, ainda que sua relevância talvez tenha diminuído ao longo das últimas décadas, atualmente sua influência ainda é inegável, inclusive para uma das “maiores” estrelas da música contemporânea. Só que Dylan tem todo um background histórico que envolve muitas polêmicas, especialmente por conta do embate político e críticas sociais de suas letras, que eram consumidas alegremente para, além de suas qualidades, um confronto às forças políticas que então controlavam o mundo e orquestraram guerras como se fosse um hobbie. Não que esta última parte seja tão diferente atualmente, mas com certeza se tornou fácil esterilizar não só músicas, mas artistas e a própria arte, num processo de pasteurização que parece agradar a muitos, vide a recepção e aclamação que “Um Completo Desconhecido”, cinebiografia de Bob Dylan realizada por James Mangold (“Indiana Jones e a Relíquia do Destino”, “Logan”), tem recebido.
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James Mangold têm algumas cinebiografias “marcantes” em sua carreira, talvez muitos se lembrem de sua mais recente, “Ford v Ferrari”, mas provavelmente a mais importante tenha sido “Johnny & June” (“Walk The Line”), que rendeu o Oscar de Melhor Atriz para Reese Witherspoon duas décadas atrás. Entre todo esse tempo que se passou, pouco mudou em seu cinema, aliás, sua marca só foi reforçada, com um cinema que trata seus personagens da forma mais tradicional possível, quem sabe até conservadora, sem quaisquer ousadias que façam seus filmes ser algo mais que ordinários, fazendo aquilo que se considera “correto”, uma fotografia bem iluminada, uma edição concisa, o simples feito com uma estética que é agradável aos olhos, palatável, mas não passa disso, se faz simpático por ser inofensivo, inócuo, um clássico enlatado de estúdio que desidrata qualquer personalidade ou veia autoral, algo que certamente vai contra tudo que foi e é Bob Dylan. “Um Completo Desconhecido” talvez sirva como porta de entrada para a cinebiografia definitiva do cantor: “Não Estou Aqui”, de Todd Haynes, esse sim, que quis tentar compreender quem de fato é Bob Dylan dentro de toda sua jornada recheada de camadas.
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Todas essas escolhas antiquadas fazem com James Mangold torne os antagonistas de “Um Completo Desconhecido” em figuras que mais parecem fazer parte da vida e da formação de Bob Dylan, do que qualquer outra coisa. A exemplo do personagem de Edward Norton (“Asteroid City”), que em dado momento acaba por confrontar o protagonista de forma tão visceral, fruto de um conservadorismo que o próprio filme tem medo de debater, assim acabando por se tornar bem superficial. Algo que influencia bastante no elenco, a principal prejudicada sendo Elle Fanning, porque sua personagem é a que tem o pior desenvolvimento, com idas e vindas que deviam ser as mais impactantes, mas Mangold nunca consegue exercer a força necessária para isso. Enquanto Timothée Chalamet (“Duna: Parte 2”) ainda não tem o calibre necessário para representar como se deve o protagonista, em contrapartida, o ponto alto do filme é Monica Barbaro (“Top Gun: Maverick”), que faz de sua Joan Baez uma força a ser reconhecida, assim como sua voz quando está cantando, e que com certeza era merecedora de um roteiro melhor. “Um Completo Desconhecido”, no entanto, se contenta com o medíocre sobre figuras que nada tem a ver com isso.
“Um Completo Desconhecido” (“A Complete Unknown”, 2024); Direção: James Mangold; Roteiro: James Mangold e Jay Cocks; Elenco: Timothée Chalamet, Edward Norton, Elle Fanning, Monica Barbaro, Boyd Holbrook, Scoot McNairy; Duração: 141 minutos; Gênero: Biografia, Drama, Musical; Produção: Peter Jaysen, James Mangold, Alex Heineman, Bob Bookman, Alan Gasmer, Jeff Rosen, Timothée Chalamet, Fred Berger; País: Estados Unidos; Distribuição: Disney; Estreia no Brasil: 27 de Fevereiro de 2025;