“As Tartarugas Ninja: Caos Mutante” (“Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem”, 2023); Direção: Jeff Rowe, Kyler Spears; Roteiro: Seth Rogen & Evan Goldberg & Jeff Rowe e Dan Hernandez & Benji Samit; Elenco: Micah Abbey, Shamon Brown Jr., Nicolas Cantu, Brady Noon, Ayo Edebiri, Maya Rudolph, John Cena, Seth Rogen, Rose Byrne, Natasia Demetriou, Giancarlo Esposito, Jackie Chan, Ice Cube, Paul Rudd, Austin Post, Hannibal Buress; Duração: 100 minutos; Gênero: Aventura, Comédia; Produção: Seth Rogen, Evan Goldberg, James Weaver; País: Estados Unidos; Distribuição: Paramount Pictures; Estreia no Brasil: 31 de Agosto de 2023;
É complicado se manter relevante por tanto tempo, inclusive porque gerações vão e vem, e seus interesses mudam com o passar dos anos. É inegável, portanto, que um fator que sempre envolverá “As Tartarugas Ninja” é a nostalgia. Para quem consumiu qualquer produto da franquia entre seu início, em meados da década de 80, e seu auge, até meados da década de 90, é sempre empolgante ver os mutantes adolescentes retornarem, seja de qualquer forma for. E nem sempre os resultados fazem jus a espera. As versões live-action produzidas por Michael Bay (“Ambulância”), por exemplo, geravam até um certo desgosto. Havia pouco ou quase nada ali do que por tanto tempo tornou os protagonistas Leonardo, Raphael, Michelangelo e Donatello em tão interessantes e cativantes. Talvez porque no início conversassem muito bem com seu público, enquanto as versões dos filmes não passavam de preguiçosas amalgamas digitais. Então estava mais que na hora de dar um rumo certo à história dos quatro irmãos tartaruga adolescentes e mutantes, e é pelas mãos quase improváveis de humoristas próximos a Seth Rogen, além do próprio, que vem uma das versões mais bem-resolvidas e melhor desenvolvida de toda a franquia, com o divertidíssimo “As Tartarugas Ninja: Caos Mutante”.
É bem verdade que a animação dirigida por Jeff Rowe está toda pautada em simplicidade, com histórias de origem, vilões e até resoluções que são bastante genéricas, narrativamente falando. É justamente tudo aquilo que habita a narrativa e os elementos que a compõem que torna “As Tartarugas Ninja: Caos Mutante” no filme que ele realmente é. E a razão pela qual isso acontece pode ser definida de forma também bastante simples: seu coração está no lugar certo! No entanto, somente isso não é o suficiente, mas é o começo do caminho para a compreensão de que não é possível se escorar somente na nostalgia, que a memória afetiva não é o bastante para sustentar um filme e, assim, o roteiro escrito à várias mãos cria um filme que, através de Rowe e sua equipe de animadores, ganha vida não só com traços belíssimos, mas que ressaltam toda uma identidade visual e personalidade próprias que o filme possuí. Assim, vemos isso também se refletir nos personagens, tanto em seus conflitos geracionais, como nessas figuras se relacionam com suas próprias idades. As tartarugas são realmente adolescentes e seus dilemas, exceção de um grande vilão, são tais quais os de um adolescente comum, se fosse mutante.
Contudo, é a forma como eles não são simplesmente infantilizados que eleva “As Tartarugas Ninja: Caos Mutante”, pois, tratados com devido respeito, tudo ali se torna envolvente. O conflito geracional entre as tartarugas e o Mestre Splinter (dublado na versão original por Jackie Chan) permite uma variada gama de referências pop, enquanto o fato de os protagonistas serem dublados por crianças/adolescentes trazer uma jovialidade que torna a aventura ainda mais lúdica, gostosa e empolgante. Essa ambiguidade faz o filme funcionar em duas frentes, funciona para o público mais velho enquanto é capaz de entreter o público infantil sem a necessidade de deixar de ser inteligente, e a sagacidade disso se traduz muito através da trilha sonora composta pela dupla duplamente “oscarizada”, Trent Reznor & Atticus Ross. É difícil acreditar que um filme tenha o direito de ser tão “descolado” como é com esta trilha sonora o embalando, e a maneira como as músicas energizam o filme só torna “As Tartarugas Ninja: Caos Mutante” em algo ainda mais memorável. Quando olhamos o conjunto da obra, vemos uma produção recheada de anedotas inteligentes, uma consistência fundamental e personagens que tornam capaz do espectador se empatizar e comover-se com qualquer reviravolta, independentemente de sua simplicidade.