“Transversais“, dirigido por Émerson Maranhão, e produzido por Allan Deberton, conta com o depoimento de quatro pessoas trans que resgatam suas histórias, seus processos de autodescoberta e seus processos de trânsitos e jornadas, e também de uma mulher cisgênero, mãe de uma adolescente trans.
Mesmo sofrendo censura do governo federal, que publicamente anunciou que “não tinha cabimento fazer um filme com este tema” e declarou que ele seria “abortado” do edital da Ancine em que era finalista, o filme terá suas primeiras sessões no país na 45a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que acontece entre 20 de Outubro e 03 de Novembro, de forma presencial e online.
O longa, que parte de dois projetos anteriores do diretor -uma websérie e um curta, acompanha a vida de cinco pessoas, que vivem a experiência da transgeneridade de diversas maneiras. A funcionária pública Samilla Marques, a professora Érikah Alcântara, o enfermeiro Caio José e o acadêmico Kaio Lemos passaram por um delicado processo de auto-aceitação até compreenderem a sua subjetividade. Hoje vivenciam tecnologias de gênero como hormônios e cirurgias que lhe asseguram uma aparência condizente com a maneira como se veem, mas ainda sofrem com a incompreensão, o estranhamento e o preconceito. Já a jornalista Mara Beatriz, mulher cisgênero, enfrentou a transfobia de perto e refez sua vida ao tomar conhecimento que era mãe de uma adolescente transgênero. Hoje, é uma das mais ativas militantes do grupo Mães pela Diversidade no Ceará.
Para todos e todas entrevistadas/os em “Transversais“, o documentário é de extrema importância tanto pelo momento político atual quanto pela visibilidade que dá à causa da transgeneridade.
“Para mim, este filme é sobre superação. É claro que tem que ter muito coragem, nem todo mundo gosta de expor suas dores. Mas, de certa forma, me alivia fazê-lo no momento em que pode ajudar outras pessoas”, conta Samilla. Já para Kaio, o documentário é também uma ferramenta de combate ao patriarcado e ao machismo. “Especificamente nesse filme, eu me senti muito bem, eu me sinto em casa. Até porque a maior parte da equipe era de pessoas trans. Isso me permitiu ficar muito mais à vontade, me permitiu me entregar mais, ter liberdade com o meu corpo, ter liberdade com as coisas que eu queria falar e que eu falei”. Enquanto Érikah aponta “a oportunidade de dar visibilidade a pessoas trans dentro de diversos contextos, para além da segregação social imposta, com que comumente somos representadas. O filme mostra que, diferentemente do que a sociedade costuma apontar, nós podemos ser o que quisermos, vivenciar rotinas familiares, rotinas de afeto, rotinas profissionais. Isso tudo de uma maneira muito natural.”
Mara Beatriz, por sua vez, ressalta a certeza de que o longa irá ajudar a muitas pessoas trans e suas famílias.
“A gente nunca tinha feito cinema antes, mas foi muito acolhida. E se sentiu muito honrada em ter a nossa história tão fielmente abordada, e de forma tão respeitosa”. E, por fim, Caio também coloca a importância deste documentário para ele mesmo. “Eu consegui rever coisas dentro da minha vida e ver quão importante elas são para a pessoa que eu sou hoje, e que essas minhas vivências podem ajudar a outras pessoas que passam por experiências similares.”
O diretor comenta:
“Eu gostaria muito que esse documentário pudesse contribuir para mudar esse cenário tão pavoroso em que vivemos hoje no País. Acho difícil, mas não impossível. É um trabalho de formiguinha. No entanto, se cada espectador que assistir ao filme despir seu olhar dos preconceitos costumeiros para se permitir conhecer esses personagens tão especiais, sentir suas dores e alegrias, e deixar que essas trajetórias tão bonitas e únicas toquem seu corações e mentes, acho que teremos um excelente começo”.
Deberton conclui:
“A parceria com Émerson, desde o curta, veio neste sentido de procurar histórias que falassem sobre coragem e luta. Nossos personagens são corajosos e corajosas, dão exemplo, transformam. Nossa atuação foi a de fazer o projeto existir, por pura necessidade – ninguém impedirá a liberdade de expressão. Fazer este filme tornou-se ato civilizatório”.
“Transversais” é distribuído pela Deberton Filmes.