“O Dia da Posse” (2021); Direção: Allan Ribeiro; Roteiro: Allan Ribeiro, Brendo Washington; Elenco: Brendo Washington, Allan Ribeiro; Duração: 70 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Allan Ribeiro, Douglas Soares; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;
A quarentena da Covid-19 gerou uma espécie de subgênero próprio, um acontecimento tão marcante que trava todas as possibilidades estéticas além de uma linha de raciocínio comum a todos os objetos que abordam o tema de forma mais direta. Um efeito semelhante ao cinema norte-americano quando decide ser mais direto nas sequelas dos eventos relativos à queda das torres gêmeas. Se até Oliver Stone decidiu fazer um filme sobre a força renascedora da América há duas décadas atrás, o sentimento geral agora é de uma reflexão autoconsciente vinda dos apartamentos ao redor do mundo.
É um evento de tantos capítulos caricatos, com o Brasil sendo um livro à parte dessa saga de insanidade. Esses alvos fáceis tornam o tema exaustivo, principalmente porque a forma como os diretores estão encenando esse período é exaustivamente protocolar. É possível criar um bingo de tantas escolhas óbvias como: O plano de alguém olhando pela janela; um eventual voice-over refletindo de forma quase editorial sobre o momento; alguma menção ao presidente atual da república.
O que torna “O dia da Posse“, filme de abertura do festival Olhar de Cinema 2021, diferente é que a pandemia não é o motivo, e sim o pretexto para a carta de amor do diretor Allan Ribeiro à figura de Brendo. Ao abrir o filme com uma proximidade extrema do corpo deste jovem adulto ao fundo das janelas cariocas, o cinegrafista define bem o objeto do seu estudo. Mais importante que a pandemia, o enfoque está em mergulhar junto com o diretor no conhecimento daquele que divide o apartamento. Os sonhos, anseios, histórias, trejeitos, tudo isso é dissecado por 70 minutos de ternura por parte da lente.
Ribeiro nem faz questão de suscitar imagens mais explícitas de carinho, como abraços ou gestos mais incisivos, as interações a partir das falas de Brendo e como a lente reage a elas criam uma relação de amizade e fascínio pela figura. Brendo funciona como narrador-espectador da sua própria pessoa, em um dos primeiros momentos falando sobre o quão experimental, que ele define como um filme cru, é o projeto filmado ali. O Advogado e futuro médico conta a sua história mas não de forma emotiva e virtuosa, mas sim como exemplificação da ascensão social de toda uma juventude a partir do governo FHC e perpetuada pelo governo PT.
Não parece também que seja a intenção da mise en scene falar sobre a derrocada de perspectiva de futuro que a faixa de idade do interlocutor passa desde o impeachment em 2016. Sem apontar por meio de recursos retóricos diretos, a câmera acompanha a rotina de Brendo e as inflexões surgem de forma espontânea. Em alguns momentos, o filme quebra esse ritmo de retrato falado através de uma exposição da própria artificialidade. Porém, não soa como parte dessa tendência autoconsciente que tomou o cinema, mas algo que surge pela espontaneidade da interação. A cena em que Brendo cansa de fazer e refazer a ação de pôr uma blusa, não é sobre o artificial de filmar, mas o cansaço do convívio que ocorre com todos.
Apesar da temática desgastada, o grande mérito de “O dia da Posse“ está em tornar a quarentena um assunto paralelo. Um satélite que paira pelo filme mas não impede aquela rotina de ocorrer, como de fato acabou se tornando. Ao abrir a porta para voltar à casa da mãe, Brendo encerra o filme quase como um experimento após ser dissecado a partir de alguma tese. E se há uma tese concreta, seria a admiração do seu analista para com seu objeto de estudo.