O Farol (The Lighthouse, 2019); Direção: Robert Eggers; Roteiro: Robert Eggers & Max Eggers; Elenco: Willem Dafoe, Robert Pattinson, Valeriia Karamän; Duração: 110 minutos; Gênero: Drama, Fantasia, Suspense, Terror; Produção: Rodrigo Teixeira, Jay Van Hoy, Robert Eggers, Lourenço Sant’ Anna, Youree Henley; País: Estados Unidos; Distribuição: Vitrine Filmes; Estreia no Brasil: 02 de Janeiro de 2020;
Interessante notar a complementariedade dos dois primeiros longas-metragens do diretor Robert Eggers. Em “A Bruxa” (2015), temos um conto de terror sobre a aceitação da feminilidade, como forma de encantamento e resistência frente ao horror imposto por convenções religiosas e patriarcais. No seu segundo projeto, “O Farol”, Eggers faz uma parábola sobre a masculinidade tóxica e como esta, além de ser fragilíssima, não sustenta a narrativa de superioridade masculina, impostas pelas sociedades patriarcais ao longo dos séculos. As duas narrativas constroem um cinema de terror contemporâneo, o considerado “pós-terror” por alguns movimentos da crítica. Não sendo, necessariamente, filmes com todos os artifícios do gênero. Contudo, a grandeza autoral do cineasta se distância dos códigos cinematográficos do terror, para focar em temáticas morais, frequentes em nossa sociedade cotidiana.
Numa ilha isolada no norte da Inglaterra, em meados do século XIX, temos um faroleiro experiente (Willem Dafoe) e seu novo aprendiz (Robert Pattinson). O patrão e seu capataz. O primeiro se impõe guardião da luz do farol em questão, colocando as tarefas de manutenção para o segundo. Isolados do mundo, em condições insalubres, num terreno completamente hostil, a escalada para loucura é um destino dos dois. Consegue piorar quando há uma disputa hierárquica, aonde o aprendiz visa superar o mestre e assumir o controle do farol.
De todos os simbolismos presentes no filme, o mais interessante é perceber a disputa de dois homens, representações de todos os mais variáveis arquétipos de masculinidade, disputando por um objeto fálico. O Farol é o pênis na forma mais freudiana possível. O que eles verdadeiramente querem? Se afirmar para si ou para o outro? A busca de um poder intangível? São questões jogadas ao espectador de forma direta, não há respiros no filme. Pelo contrário, a escalada da insanidade é feita da forma mais intensa possível, jogando inúmeras catarses, causando choque, pavor e desconforto, obrigatoriamente.
Se em “A bruxa” Eggers acabou apelando para um didatismo, sobretudo em seu derradeiro ato final, aqui ele demonstra amplo poder criativo, deixando de lado qualquer tom explanatório. Tudo está nos detalhes, nas entrelinhas. As sutilezas quadro a quadro, num formato de tela 1.1, sufocando tanto seus personagens quanto seu público. A sua direção consegue construir em um ambiente tão rudimentar um mundo de elementos fálicos representativos de uma masculinidade já não mais possível de conviver no mundo contemporâneo. Tal masculinidade tão frágil, pelo qual a sexualidade imposta da heterossexualidade acaba sendo igualmente fraca, com uma tensão sexual entre os dois personagens, precisando apelar para o misticismo pagão das sereias a fim de se afirmar como “macho”.
Não sendo uma experiência para todos os públicos, pois, além de se tratar de um filme cru, sem qualquer didatismo, é também uma obra pouco convidativa para públicos em busca de um terror mais clássico ou mesmo um filme mais agradável. Os inúmeros atrativos da narrativa valem, por si só, para debates intermináveis, porém em nenhum momento se trata de uma experiência agradável. Confesso que eu mesmo, antes de escrever este texto, ainda tenho muitas questões a refletir. Cada quadro literalmente aparenta ser uma obra de arte exposta em um museu. A fotografia é primorosa e reflete agonia do isolacionismo, a paranoia constituída através disso. Willem Dafoe e Robert Pattinson em estado de graça, conseguem atingir os respectivos ápices de suas carreiras. Não há dúvidas de que estamos vendo dois homens em degradação, não apenas moral. A degradação é do seu próprio gênero.
“O Farol” é um longa poderoso. Ainda haverá, posteriormente, muitos textos, interpretações e debates sobre o filme. O maior acerto de Robert Eggers é conseguir fazer seu público sair completamente da zona de conforto, confrontá-lo para construir junto o filme. Não existe certo ou errado, é tudo cinza, como a fotografia do próprio filme. A luz do tal farol está literalmente dentro de nós, basta estar disposto a alcançar.