O audiovisual brasileiro, desde meados dos anos 2010, tem um foco político e social de dar protagonismo a causa indígena, uma das minorias sociais mais à margem da sociedade – tendo sido alvejados por governos de todas as vertentes ideológicas. Esse movimento é primordial no resgate a existência dos povos, além de uma contraposição a uma imagem retida no imaginário popular do brasileiro, de que índio é sinônimo de ignorância e atraso, na contramão do tal “progresso” – essa mentalidade construída em parte graças as campanhas ufanistas durante os governos da ditadura militar.

Mais curioso de “A Flecha e a Farda” é perceber uma iniciativa da ditadura militar em tentar converter os povos indígenas a própria causa, usando-os como massa de manobra. O longa documental usa arquivos perdidos, nunca exibidos, da primeira e única turma do programa Guarda Rural Indígena, durante os anos 70. Ouvindo o relato dos membros ainda vivos, cinquenta anos depois, dando voz e sentido para aqueles que ficaram reféns do apagamento por meio da violenta e injusta história brasileira.

Miguel Ramos é assertivo em sua abordagem ao respeitar os princípios do local de fala, ao dar espaço para seus personagens se expressarem, contarem suas vivências e opiniões acerca do passado opressor e do presente – em dado momento, uma personagem não vê diferença ao tratamento prestado pela dita “ditadura” e o atual governo. Usando das imagens de arquivo institucionais de forma a ilustrar a ideia do programa em si, bem como contextualizar o tratamento entre o regime militar e o povo indígena.

A montagem consegue construir um ritmo fluído, ao modo que o espectador consegue criar facilmente uma conexão com aquele material, seja inicialmente por uma curiosidade a um fato um tanto absurdo, para depois evoluir num contato que leva o público a refletir em relação à gravidade do assunto.

As analogias com os momentos atuais são indiretas, porém são levados mais pelo imaginário do próprio público, ao se deparar com uma memória coletiva da vivência de um povo marginalizado e em busca do mero direito a existência, porém tendo lidado com as maiores barbaridades e violações dos direitos humanos possíveis. Ao se deparar com a atual “boiada” pelo qual o Brasil está refém, não deixa de ser uma constatação desoladora: aquele povo eternizado pelos vídeos institucionais e pela câmera de Ramos, pode estar dando seus últimos relatos, diante da incerteza da existência de políticas públicas de preservação ao povo indígena.

Mais do que urgente, “A Flecha e a Farda” ganha caráter de alarmismo: que não permitamos que aquele passado sépia se torne novamente uma realidade.


A Flecha e a Farda (2020); Direção: Miguel Antunes Ramos; Roteiro: Ernesto de Carvalho, Miguel Antunes Ramos, Tainá Muhringer; Elenco: –; Duração: 85 minutos; Gênero: Documentário; Produção: Angelo Ravazi; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil:

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