É interessante observar como o cinema nacional está progredindo a cada ano, na forma a desmistificar as temáticas consideradas tabus.

Essa ousadia é graças a uma maior pluralidade de realizadores, subvertendo a ideia centrista de realizadores homens, brancos e vindouros exclusivamente do eixo RJ-SP.

Essa diversidade é justamente o que está fazendo o cinema nacional passar por essa transformação, num período verdadeiramente de redenção.

Partindo desse princípio, um longa-metragem como Fabiana, em competição no 7º Olhar de Cinema, soa tão primordial.

O documentário acompanha a vida de Fabiana Camila Ferreira, caminhoneira transexual, prestes a completar 56 anos, naquela que seria sua última viagem antes da sua aposentadoria.

Durante o trajeto, acompanhamos um pouco das nuances dela e o meio ao qual ela convive tantos anos.

É um road movie distinto, no qual sabemos o destino final, porém já dizia Guimarães Rosa em seu consagrado Grandes Sertões Veredas: “o importante está na travessia”.

A travessia de Fabiana verdadeiramente importa.

Para além dos aspectos técnicos, aos quais por si só já tornam o filme uma grande obra, o caráter representativo é o destaque.

Temos uma equipe formada majoritariamente por mulheres negras, dando voz e imagem a uma transexual em meio a um cenário masculinizado.

São tantos tabus que a própria Fabiana quebrou ao longo de sua vida que um filme contando esse fragmento da vida em questão não poderia ser diferente.

O foco da diretora e roteirista estreante Bruna Laboissière é na personagem e não seu entorno, os conflitos da profissão e do próprio convívio social e familiar são deixados de lado, apresentados superficialmente para dar foco na representação de Fabiana como um todo.

Tal proposta soa assertiva pelo fato de nossa protagonista carregar um carisma único, sua forma a ser expor soa natural e rende uma fácil identificação entre o público. A empatia é a chave.

No entanto, os dilemas do meio profissional ao qual são jogados de forma superficial careciam de um melhor aprofundamento, sobretudo por instigar sobre o assunto, na mesma forma que ela desconstrói a masculinidade e a figura do “caminhoneiro”, deixando abaixo todo aquele tradicionalismo, porém não indo além da retratação de uma reação daqueles que desejam a permanência do status quo.

Apesar dos defeitos existentes, Fabiana consegue ser um filme redentor, nos proporcionando um pouco de alento ao término de sua projeção.

Em tempos tão difíceis, numa crescente onda conservadora, uma reação imagética assim, representando em imagens aqueles que ficaram inúmeras décadas à margem, esquecidos pelo próprio cinema, é uma resposta à altura, principalmente por demostrar que o cinema não se calará e continuará avançando, com mais realizadoras, negras e transexuais ocupando os espaços.

Confira nossa cobertura do 7º Olhar de Cinema.

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