Cobertura 41ª Mostra SP | Três Anúncios para um Crime

É interessante quando uma obra consegue captar tanto o momento de um país ao mesmo tempo que consegue, por si só, ser um grande filme. Mais curioso quando esse filme em questão é dirigido por alguém de outra nacionalidade, caso do inglês Martin McDonagh. Em seu terceiro longa-metragem, “Três Anúncios para Um Crime” (“Three Billboards Outside Ebbing, Missouri“), ele consegue sintetizar a questão estadunidense, pós o pleito que culminou na eleição do republicano radical Donald Trump, tendo como palco uma cidade sulista de interior, com bastante sutileza, consegue demonstrar os problemas ainda predominantes na sociedade em questão: o racismo, assim como o preconceito em geral, o discurso de ódio e a falta de tolerância crescente entorno das camadas menos favorecidas.

Sete meses após sua filha ser brutalmente assassinada, a lojista Mildred Hayes (Frances McDormand, de Ave, César!) decide alugar três outdoors no entorno da cidade a fim de atacar a inércia do xerife local (Woody Harelsson, de Planeta dos Macacos: A Guerra), responsável pelas investigações do crime. Contudo, a cidade não reage bem ao ataque de Mildred e começa a reagir, iniciando uma escalada de violência e depredação social. É um cenário de pleno ódio, onde até mesmo uma mãe ferida em busca de justiça pode estar ameaçada de estar cometendo atos ilegais.

Três Anúncios Para Um Crime 01

O trunfo principal de Três Anúncios é seu engenhoso roteiro, você até deduz aonde aquilo vai chegar, porém num determinado momento McDonagah, que também assina o script, te surpreende ao seguir outro caminho totalmente oposto. Ele arrisca e, principalmente, opta por desafios, deixando o óbvio para trás e permitindo seu roteiro ser na mesma pegada tanto um reflexo dos conflitos norte-americanos atuais quanto uma cínica e controversa fonte de entretenimento. Há múltiplos sentimentos a serem sentidos no decorrer da projeção, chega a ser extremamente furtivo a forma como ele consegue conduzir com tamanha força a atenção do público, nos dando soluções cabíveis, nunca óbvias, tão pouco artificiais.

A atuação de Frances McDormand é transcendental, pode-se dizer que muito da persona da atriz é encontrado na personagem, assim como foi na minissérie Olive Kitteridge, porém ela tem tanta voracidade na forma de defender sua personagem que, sinceramente, tanto ela quanto o roteiro não se preocupam se vamos ter alguma empatia com os dilemas dessa mãe. Frances domina o filme, com um olhar altivo, sempre resistente por fora ao mesmo tempo que por dentro está em frangalhos, definhando por um crime que não cometera. Sam Rockwell, um ator bastante indie, pouco conhecido e valorizado, tem aqui seu papel da carreira, reinventando o arquétipo da jornada de redenção, num tom extremamente alinhado e comprometido com o texto dado.

Três Anúncios Para um Crime

Com grande chances ao Oscar 2018, Três Anúncios Para Um Crime é um longa extramente delicado ao mesmo tempo que é visceral. Talvez seja o primeiro filme da safra pós-trump que realmente faça dimensão das questões americanas e dos reflexos que esse governo de fato parece ter. Só por isso já seria um grande filme, porém ele consegue ser um grande filme seja por seu grande roteiro ou seu grande elenco e ainda sua grande relevância social. Imperdível.

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