O Cerco (2020); Direção: Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola; Roteiro: Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola e Elenco; Elenco: Liliane Rovaris, Geovanna Lopes, Marco Lopes, Matheus Lopes, Alberto Moura, Breno Nina, Aurélio Aragão, Gustavo Bragança, Rafael Spínola; Duração: 87 minutos; Gênero: Drama; Produção: Rocinante Produções; País: Brasil; Distribuição: –; Estreia no Brasil: –;

A dualidade é o eixo temático que filtrou os integrantes da Mostra Aurora de Tiradentes em 2021, filmes que buscam criar uma evidente oposição entre realidades por mais diversos recortes. “O Cerco“, ao abordar um conflito geracional entre crianças de tempos democráticos e adultos criados na repressão militar, tenta falar sobre a relação dos mesmos com o passado e a paranoia.

A cena inicial é de uma ternura muito única, um comportamento tão relacionável que até se pensa que a sensação será um dos principais pontos do filme. O preto e branco evidencia o contraste entre os prédios velhos, tão típicos do Rio de Janeiro, com os grafites espalhados na cidade. Ao cortar para a professora de teatro, o filme estabelece o embate entre ambos através da montagem. Problema é que com exceção do primeiro encontro entre ambos, não há nada muito claro que defina antagonismo. As crianças entram na casa em tom de brincadeira, a mulher não parece interessada em momento algum pelos mesmos. Isso acontece porque “O Cerco” é um filme extremamente desfocado.

A quantidade de eventos que vão ocorrendo, sugerindo novos temas mas não agregando em muito, tornam o filme quase incompreensível na lógica narrativa que ele tenta estabelecer. É evidente que a relação com as autoridades parece ser o principal ponto de abordagem, mas há tantos pontos e poucas correlações. Fica claro que a ideia era não ser direto em um assunto como trauma, memória e apatia, que fica evidente na personagem adulta que trata o mundo inteiro com apatia.

A única coisa sacro para ela é a memória de seus pais, exilados políticos pela ditadura militar, onde ela guarda os registros como as fitas do diário de sua mãe e as cartas de seu pai como artefatos quase religiosos. Uma obsessão que a transformou em alguém completamente apático perante autoridades, chegando a negar algumas vezes qualquer tipo de apoio aos agentes da lei. Enquanto os três adolescentes, quando sofrem a mesma ameaça que ela, optam por enfrentar diretamente através do escrito “Não temos medo de vocês”. Para o filme, a força de enfrentamento da juventude se esvai com o passar do tempo.

O grande problema é que o filme tem uma abordagem muito comum ao cinema brasileiro contemporâneo, que é a necessidade quase dogmática por uma abordagem apática, afastada e austera que chega à artificialidade. Torna-se muito dilatado e pouco engajante ver qualquer cena onde não há uma criança com sua empolgação e energia caótica que tire o filme do marasmo que se auto condena. Um tema tão complicado como as sequelas de uma ditadura acaba se tornando insuportável de assistir, o que acaba destruindo ainda mais qualquer chance de esclarecimento e empatia com os que sofreram.

Quando o filme se aproxima do final, a montagem tenta definir uma relação de causa e consequência cada vez mais estreita e clara. Porém os eventos que ocorreram anteriormente são tão difusos que as cenas passam e a memória ainda tenta lembrar de onde saiu aquele personagem. Em determinado momento, um homem sangrando entra na casa da adulta, ela pergunta se o sangue é dele, ele não responde, o filme corta para uma outra situação completamente desassociada. Isso resume bem o que é “O Cerco“, um filme que não se interessa em qualquer aprofundamento das relações que ele mesmo estabelece, sendo salvo pelo carisma infantil. 

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