Rotulada com o título de “musa” dos cinemas Novo e Marginal, a lendária atriz Helena Ignez é uma das figuras mais extraordinárias vivas do cinema nacional. Rejeitando tal rótulo, o documentário dirigido e escrito por sua filha, Sinai Sganzerla, filha de Ignez e de Rogério Sganzerla. “A Mulher da Luz Própria” serve como um resgate desses cinemas, como também da própria história de Helena, evidenciando como ela teve papel fundamental nos longas aos quais ela atuou, como “O Bandido da Luz Vermelha” (1968) e “Copacabana Mon Amour” (1970), participando da parte criativa dos filmes, não meramente sendo uma “cara bonita”.

Principal mérito do longa de Sganzerla, é tratar sua personagem não meramente como uma figura exótica, sim como uma mulher que pensa, ama e vive o cinema, atua como forma de resistência e de prazer. Sua trajetória conversa com a trajetória do cinema nacional, pois Ignez atuou em grande parte dos filmes dos cinemas novo e marginal. Depois, começou a fazer o próprio cinema, sentindo que tinha muito a dizer, não sendo contemplada pelos realizadores que a procuram.

É revoltante os relatos do machismo estrutural ao qual Ignez sofreu ao longo de sua carreira, vindo de diretores considerados revolucionários, mas que reproduziam práticas arcaicas, limitando o espaço e voz feminina num cinema que deveria ser libertário e igualitário. A atriz não se intimidava, afrontava e quebrava estigmas, o que a tornou uma figura tão memorável. A opção de ser narrado inteiramente em primeira pessoa constrói uma intimidade espontânea entre público e Helena, como se nós saíssemos da exibição tendo uma grande amizade com ela, carregando um pouco da grandeza de uma pessoa simplesmente ímpar.

O documentário pode até ser convencional em alguns pontos, com uma trilha sonora pouco inspirada. Sofre principalmente da questão de sua personagem ser maior que o filme, não que isto seja um incômodo propriamente, porém, carece de uma estrutura narrativa mais ousada, ao modo que dialogue tanto com a trajetória dos cinemas que Helena fez como atriz e produtora e faz agora, como realizadora. O paralelo entre a evolução do cinema nacional com a trajetória de Ignez é simplesmente encantador, servindo de um resgate fundamental diante desse apagamento que o cinema nacional está tendo.

Ao término, saímos com a convicção de que não existe uma definição para quem é Helena Ignez. Ela é uma figura que representa o cinema, ao mesmo tempo que é o cinema. É resistência e arte. É um relato, portanto, de uma mulher que vive pela eferverscência da liberdade como um todo. É uma inspiração. É o cinema nacional.

É Helena Ignez, muito prazer.

 

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