Mais uma noite gélida da capital paranaense, Curitiba. Num cenário de declínio sócio-político ao qual o país enfrenta, o Olhar de Cinema se destaca em sua mais ousada e grandiosa edição. Desde sua arte, evocando elementos da brasilidade e da resistência, seja para contra o autoritarismo ou mesmo para contra os desmandos vindouros de governos supostamente democráticos.

O longa que abriu o festival na sua edição mais politizada, foi um que evoca a memória e o legado do próprio cinema nacional. “Banquete Coutinho“, de Josafá Veloso, propõe pôr em xeque a narrativa da vasta filmografia do célebre cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, falecido tragicamente em 2014. É uma produção de sete anos, com vasto material, aonde entra em cena o próprio Coutinho, sendo confrontado sobre suas escolhas, carreira cinematográfica e aspectos da vida pessoal.

É interessante a proposta de Veloso, em desconstruir a obra fílmica de Coutinho a fim de construí-lo como personagem. Perceber, sobretudo, como um documentarista que, por suposto, conta a estória de uma outra pessoa/caso/fato, na verdade usa dessa personificação externa para contar uma narrativa própria. Ou seja, é a projeção de um cineasta para com seu personagem/objeto. Exatamente isso que Veloso faz com Coutinho, ao expor como ele o faz com seus personagens em suas obras, numa narrativa linear. Ou seja, todos os filmes de Coutinho, supostamente, seriam um só.

Entretanto, a grandeza do cineasta na tela, assim como a apropriação de suas obras na construção de tal narrativa, acabam por apagar qualquer veia autoral que o diretor venha a tentar construir. O longa conquista seu público pelo afeto e nostalgia entorno de seu personagem. Mas carece em construir uma narrativa mais relevante, essencialmente própria, tornando superficial o debate entorno de um legado cinematográfico, seja Coutinho ou Luiz Rosemberg Filho, homenageado com o curta “O Cinema segundo Luiz Ro“, de Renato Coelho. Ambos são obras co-dependentes de seus personagens, faltando, portanto, um cunho autoral que torne como uma obra que agregue no próprio legado de ambos.

O 8º Olhar de Cinema inicia-se de maneira morna, porém bastante afetuosa. Apesar de pouco relevante num festival que propõe tantos debates esse ano, fica um desconforto por pairar numa zona de conforto em seu primeiro longa. Apesar disso, levando em conta tantas frustrações do cenário nacional, um afago vindo por Eduardo Coutinho soa bastante redentor.

Coutinho vive, mais do que nunca. E tem muito a nos dizer e ensinar. Que venham os próximos dias.

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