A Mostra Aurora – a seção da Mostra de Cinema de Tiradentes dedicada a filmes de diretores com até três longas-metragens no currículo é um dos destaques do evento que em 2020 exibirá oito títulos de cinco estados que terão pré-estreia no evento.

Em comum, todos lidam com a realidade brasileira através de chaves de reinvenção, reconfiguração ou alegoria, seja em documentários que olham diretamente para determinado espaço ou acontecimento, seja numa ficção de época ambientado no século XIX. Os filmes selecionados pelos curadores Francis Vogner dos Reis e Lila Foster dialogam com a temática desta edição, “A imaginação como potência”, e serão avaliados pelo Júri da Crítica, formado por pesquisadores, críticos e professores. O ganhador da Aurora leva o Troféu Barroco e prêmios oferecidos por parceiros da Mostra.

“O interessante da temática de Tiradentes em 2020 é que, mesmo bastante ampla, ela abre vetores muito específicos da nossa imaginação pública e da nossa imaginação política. Ela nos permite olhar para o que a arte propõe enquanto reinvenção do real e do mundo”, diz Lila Foster, uma das curadoras. “São vetores de uma perspectiva poética sobre como lidar com a invenção cinematográfica e com o que ela formula. Não só sobre o mundo tal como ele é, mas também através de outras percepções do que ele poderia ser, deixando de lado a ‘fidelidade’ a um suposto realismo para ir ao encontro das possibilidades de imaginação”.

Os filmes escolhidos para a Mostra Aurora 2020 são: “Cabeça de Nêgo” (CE), de Déo Cardoso; “Cadê Edson?” (DF), de Dácia Ibiapina; “Mascarados” (GO), de Marcela Borela e Henrique Borela; “Pão e Gente” (SP), de Renan Rovida; “Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu” (SP), de Bruno Risas; “Canto dos Ossos” (CE), de Jorge Polo e Petrus de Bairros; “Natureza Morta” (MG), de Clarissa Ramalho; e “Sequizágua” (MG), de Maurício Rezende.

Para Francis Vogner, todos estes longas-metragens se aproximam “na cosmopoética de outros tipos de abordagem de elementos identificáveis como pertencentes a um suposto realismo”. Nenhum deles, portanto, usa o real como camisa de força, e sim como ponto de partida para a proposição de reconfigurações.

“Um filme como ‘Cadê Edson?’, por exemplo, se utiliza de material televisivo para recriar uma narrativa na contramão da forma como aquela situação e aqueles personagens foram apresentados pelos meios tradicionais de comunicação”, aponta o curador. “No caso de ‘Pão e Gente’, que é adaptação do texto ‘A Padaria’, de Bertolt Brecht, escrito no começo dos anos 1930, o que o diretor faz é reconstituir o conteúdo do material original para o meio urbano contemporâneo do Brasil, onde as questões apontadas pelo dramaturgo alemão ainda podem reverberar hoje”.

No caso de “Natureza Morta”, o filme opta por manter o anacronismo romanesco do material original (o romance “A Carne”, de Julio Ribeiro, lançado em 1888), porém transferindo várias de suas inquietações para as aflições do século 21, em especial a subjetividade da mulher diante das violências e opressões de uma sociedade brasileira afundada no patriarcalismo. Por sua vez, “Canto dos Ossos”, segundo Francis, se vale da multiplicidade de elementos imaginativos (da ficção de horror ao drama social) para apresentar uma abordagem singular do cotidiano de trabalhadores no país, tendo de ponto de partida uma professora vampira.

O universo da sala de aula também é cenário em “Cabeça de Nêgo” a partir do impasse entre um rapaz que propõe modificações na escola usando de ideias dos militantes dos Panteras Negras e a diretoria que não permite sua liberdade de pensamento. Tentativas de controle social em reação à insurgência de trabalhadores explorados aparece ainda em “Mascarados”, que acompanha funcionários de uma pedreira goiana em protesto contra baixos salários.

Fechando a lista, há “Sequizágua”, ambientado no sertão profundo de Minas Gerais e, conforme aponta a curadoria, lidando com suas próprias temporalidades num diálogo aproximado com “A Vizinhança do Tigre”, de Affonso Uchôa (que inclusive é roteirista do filme de Maurício Rezende); e “Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu”, que ficcionaliza o dia a dia real de uma família afetada pelo desemprego e pelas dificuldades financeiras e cuja matriarca certo dia desaparece, aparentemente abduzida por forças alienígenas.

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