O Caso Richard Jewell (Richard Jewell, 2019); Direção: Clint Eastwood; Roteiro: Billy Ray; Elenco: Paul Walter Hauser, Kathy Bates, Sam Rockwell, Olivia Wilde, Jon Hamm; Duração: 129 minutos; Gênero: Biografia, Drama; Produção: Tim Moore, Jessica Meier, Kevin Misher, Leonardo DiCaprio, Jennifer Davisson, Jonah Hill, Clint Eastwood; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 02 de Janeiro de 2020;

Richard Jewell 02
(Divulgação/Imagem: Warner Bros. Pictures/Claire Folger)

A alcunha de ser um dos maiores diretores americanos vivos não é nada exagerada para Clint Eastwood (89 anos e sem nenhuma intenção de se aposentar). Nos últimos anos, o cineasta se envolveu em inúmeras polêmicas decorrente ao seu engajamento político, atacou publicamente o então presidente democrata Barack Obama e defendeu pautas e figurões de direita, dentre eles o atual presidente dos Estados Unidos. Tantas questões questionáveis acabam reverberando em sua proposta de Cinema. Seus últimos filmes, assim, são vistos como representantes de pautas conservadoras.

O Caso Richard Jewell” foi acusado de difamar o ofício jornalístico, o demonizando como principal fonte de desconstrução -e destruição – de reputações, fazendo valer a lógica do quanto pior melhor, apenas com objetivo de vender jornal. Contudo, colocando numa perspectiva brasileira, num país pós lava jato, sobretudo após as revelações do Intercept decorrente da conduta dos acusadores para com seus réus, acaba sendo um filme que, apesar de tratar de uma figura americana, dialoga diretamente conosco.

Richard Jewell (Paul Walter Hauser) é um segurança, sonha em ser policial e servir ao seu país. Ele mora com sua mãe Bobby (Kathy Bates), trabalha provisoriamente no plano de segurança das olimpíadas de Atlanta, de 1996. Num dia aparentemente comum, durante sua ronda, ele descobre uma mochila abandonada. Seguindo o protocolo estabelecido, ele isola a área com desconfiança de se tratar de um atentado terrorista. A tal mochila continha uma bomba, que acaba por explodir. Suas medidas de segurança diminuíram o impacto da explosão, fazendo os danos serem mínimos. Jewell acaba virando um herói nacional.

Contudo, a falha grave de segurança do FBI bota em xeque a política de segurança do governo democrata do então presidente Bill Clinton. Buscando respostas, traçam um perfil psicológico aonde indica que o próprio Jewell seria capaz de ter emulado o atentado, em busca de notoriedade e respeito. Entra em cena a jornalista Kathy (Olivia Wilde), na tentativa árdua de desconstruir e criminalizar o herói. Mesmo sob investigação, mídia e opinião pública o condenam sem dó, tornando sua vida de um paraíso à um inferno.

Grande polêmica, Clint mostra a personagem jornalista se prostituindo com membros do alto escalão do FBI a fim de conseguir furos jornalísticos. Houve uma enorme revolta decorrente disso, ocasionando na pior bilheteria do diretor em 39 anos. Ao mesmo tempo, o roteiro de Billy Ray – indicado ao Oscar por “Capitão Phillips” – acerta em mostrar o papel da mídia em demolir reputações por meras suposições. Numa visão brasileira, é bem palpável em nossa realidade, vendo todo o processo que demonizou o Partido dos Trabalhadores e seus principais líderes. Se não houvesse ampla cobertura midiática, é difícil imaginar a prisão do ex-presidente Lula, pautado num caso extremamente frágil.

Eastwood constrói a estória em cima da empatia. Nós vemos uma figura polêmica, ao qual não desperta qualquer carisma. Contudo, vemos a face da injustiça, contra uma pessoa ingênua ao ponto de achar que poderia fazer a diferença num país socialmente injusto. O ponto mais forte na construção desse Richard Jewell é colocá-lo como uma figura tão banal, não guardando nenhum viés emblemático ou heroico. Nem mesmo a breve ascensão em ícone o torna uma pessoa interessante. Sua derrocada, entretanto, soa mais interessante, o colocando em pressão até gerar sua ebulição. Eastwood faz uma parábola moral sobre a decadência de um país, que precisa sacrificar justamente as figuras banais, comuns do dia a dia, que sonham em serem alguém. E são devoradas por não terem a malícia e grandeza esperados.

Paul Walter Hauser (“Infiltrado na Klan“, “Eu, Tonya“) está assombroso, consegue dar complexidade a uma figura sem nenhuma dimensão. Sua performance causa revolta, em vez de simpatia, decorrente da passividade do próprio Jewell. Sua catarse em dado momento nos brinda como uma representação de grito dos injustiçados. Kathy Bates consegue encarnar o arquétipo de mãe americana modelo, que ao ver tanta injustiça, luta para não decair e suportar tudo ao lado do filho, é uma dramaticidade minuciosa, num contraste dinâmico versus a falta de expressividade do personagem Jewell. Sam Rockwell, no papel do advogado e amigo de Richard, faz uma performance explosiva, pautada na empatia. John Hamm e Olivia Wilde completam o elenco, o primeiro consegue ser a representação perfeita da burocracia que tanto faz desmanchar uma nação. Já a segunda, apela para uma caricatura, justificando, portanto, a irritação contra sua personagem.

Clint Eastwood vai continuar sendo um diretor polêmico, ao mesmo tempo que é um dos diretores mais interessantes. Sua filmografia nessa década foi pautada em representar ícones americanos. Só remete a frase do filósofo Bertolt Brecht: “Infeliz a nação que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis”. Isso define bastante os americanos e o cinema de Clint Eastwood, numa desconstrução, intencional ou não, dos EUA.

“O Caso Richard Jewell” – Trailer Legendado:

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