Crítica | Rectify | 4ª Temporada

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Rectify – 4ª Temporada (Sundance Channel, 2013-2016); Criada por: Ray McKinnon; Direção: Patrick Cady, Kate Woods, Keith Boak, Stephen Gyllenhaal, Scott Teems, Billy Gierhart, Ray McKinnon; Roteiro: Ray McKinnon, Scott Teems, Coleman Herbert, Kate Powers; Elenco: Aden Young, Abigail Spencer, J. Cameron Smith, Clayne Crawford, Caitlin Fitzgerald, Adelaide Clemens, Jake Austin Walker, Luke Kirby, Bruce McKinnon, J.D. Evermore, Sean Bridgers, Linds Edwards, Johnny Ray Gill, John Marshall Jones, Scott Lawrence; Número de Episódios: 08 episódios; Data de Exibição: 26 de Outubro a 14 de Dezembro de 2016;

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O texto contém spoilers.

Comparado aos fictícios dezenove anos que Daniel Holden (Aden Young) passou em sua cela no corredor da morte, quatro solitários anos acompanhando Rectify soam levianos, até pela maneira com a qual a série de Ray McKinnon conseguiu sempre impor todo seu peso sobre nós. Por isso, também, minha identificação com o personagem que protagoniza a trama não é plena. Mesmo ficcional é fácil assimilar ao quão insuportável é a dor que carrega Daniel.

É ainda mais contundente e arrebatadora nessa última temporada da série, ainda mais quando vem num mesmo ano que a segunda temporada de American Crime, por exemplo. Ambas as séries abordam temáticas semelhantes, mas enquanto American Crime comprime o máximo possível em um ano, a criação de Ray McKinnon, já de certa maneira tendo explorado duas décadas em temporadas anteriores, aqui vai com a calma necessária para explorar as consequências do ato.

E por ser a última temporada, partindo de um desejo de seu criador de dar uma cisão a história, a satisfação se dá através da maneira como Rectify explora todo esse peso de maneira expansiva, aprofundando e dando ainda mais espaço a personagens que, até então, pareciam somente secundários. Um ano que traz como definição o protagonismo de cada um em suas próprias vivas.

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Não à toa uma das passagens mais fortes na temporada é a discussão entre Daniel e sua mãe, quando esta o visita em Nashville. A Janet de J. Smith-Cameron é uma das personagens que mais se beneficia com a distribuição dos episódios, pois sua trajetória até aquele momento a dispersa numa espiral cuja única saída é sucumbir ou se dar a liberdade.

Porque até aquele determinado momento Janet não era a protagonista de sua vida, mas sim seu filho, Daniel. O que claramente impedia o desenvolvimento dos dois em suas próprias vidas. Mas é soberbo o caminho no qual Rectify lança a personagem, complementado por uma atuação memorável da atriz.

Quem em meio a isso sempre pareceu secundário foi Tedd (Bruce McKinnon), e ainda que ele não tenha recebido assim tanta atenção, ou tempo em cena, quanto aos demais, recebeu o suficiente para Rectify demonstrar como seus personagens são todos multifacetados, ou como a série sempre os impulsionou a ser, mesmo que não soubéssemos disso ainda.

O resultado, de certa maneira, foi uma melancolia positivamente excedente e sempre bem-vinda. Proveniente das ponderações às quais personagens como Ted foram subjugados num último ano que acaba não sendo o fim, mas um alinhamento daquilo que está por vir.

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Não uma expectativa, mas a esperança de algo que está ou pode estar a acontecer. Porque aqui se faz valer a melancolia excedente de Rectify, em toda sua forma positiva. Pois não se relega a perda, ou se contorna a dor, ela aqui tanto faz parte como molda aquilo que virá a ser. A possibilidade de decepção se torna, portanto, uma virtude.

A maior síntese disso é obviamente a Tawney de Adelaide Clemens, que aqui divergiu completamente do que eu tinha a impressão que ela seria no início da série. Despontando apenas como interesse romântico clichê, ela se tornou em muito mais que isso. Aliás, ela acabou tornando-se um estudo dessa personagem estereótipo, que se via perdida em meio às ambições alheias.

Aí surge também o Ted Jr. numa atuação brilhante de Clayne Crawford, também não sendo o protagonista de sua própria vida, se deixando tomar por um impulso baseado em quem ele deixou que sua vida se desse ao redor. Dos momentos mais marcantes na temporada, ficam seu diálogo com Melvin (John Boyd West), quando o personagem se quebra de maneira irreparável e, por fim, quando ele de certa forma faz as pazes com Daniel, completando um círculo narrativo encantador, ainda que doloroso.

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E ainda que em meio a isso tudo Amantha (Abigail Spencer) pareça ter sido relegada, a realidade é que a personagem, que sempre foi um dos grandes destaques da série, deu espaço aos outros enquanto se encontrava consigo mesma dentre sua relutância em depender de alguém. A solidão, então, deixa de parecer uma má ideia.

Porque existe ali aquele algo momentâneo, necessário. Diferente daquele que precisa ser suprido, como é o caso de Daniel Holden. Como é possível, portanto, não se emocionar com seu monólogo sobre o tema durante o primeiro episódio? Durante o episódio dedicado ao personagem e sua corrente solidão em meio ao exílio?

Até que conhecemos Chloe, personagem de Caitlin Fitzgerald (Masters of Sex) que surge exatamente como um interesse romântico do protagonista, mas que não se deixa ser pela sagacidade do roteiro. O romântico parece dar lugar ao racional, àquilo que é mais prático. Ela está ali com um propósito óbvio, mas tanto atriz quanto personagem parecem se rebelar dentro daqueles moldes, até um tanto semelhante ao que acabou por acontecer com Tawney.

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Servindo como um contraponto a Daniel, a personagem, acrescida a série nessa última temporada, nos conduz a uma experiência que fala menos e faz mais, propiciando uma sinestesia num momento derradeiro, que se revela acima da média numa construção que é, mesmo, mais realista do que romântica.

Porque Rectify se dá ao direito de explanar o porquê dos seus momentos piegas não poderem ser considerados como tais. As frases de efeito, motivacionais, são ou uma contrapartida justificada ou como sempre são justapostas a essa melancolia sempre presente na série de Ray McKinnon.

Assim, Rectify acaba, como série, mas sobrevive em seu público, que por boa parte acompanhou solitário a cada um dos episódios, a cada emoção e virada na trama que se desenrolava perante às injustiças que permeavam a curta vida de Daniel Holden.

Prestes a vivê-la, é mais do que compreensível que nós, também, tenhamos que deixar ele partir para que ambos tenham a possibilidade de seguir em frente. De uma caixa de sapatos onde só um homem louco sonharia, a uma sinestesia esperançosa que nos dá o direito, e dever, de nos decepcionarmos. Afinal, há muito ainda pela frente.

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