Colaboração especial de Renan Santos.

O texto a seguir contém spoilers.

Narcos, por boa parte de sua produção, ficou envolta em muito mistério. Havia uma certa ansiedade, pelo menos de minha parte, por ter nomes brasileiros assim tão envolvidos em uma série da Netflix, que prometia ser grandiosa. Mas acabado o mistério, a verdade é que a trama de Narcos, estrelada por Wagner Moura, é bastante americanizada. Afinal, quase como a guerra contra os narcotraficantes da Colômbia foi empreendida pelos Estados Unidos após conflitos de interesse econômicos (ou assim aprendemos), Narcos  precisava fazer tanto sucesso dentro do país (Estados Unidos), quanto fora.

É um dos motivos do narrador de Narcos  ser o agente Steve Murphy (Boyd Holbrook). Existem aí outros empecilhos narrativos, como colocar Pablo Escobar para narrar a própria história, o que não funcionaria. Ainda assim há uma certa brasilidade e, latinidade, muito forte na produção. Mas é interessante saber que há um ponto de vista maior, e não somente o dos narcotraficantes. É o que dá a série, na realidade, uma maior liberdade criativa. Essa liberdade criativa, aliás, é um dos maiores quesitos a serem debatidos em relação a série Narcos.

Sou um fã confesso do trabalho de José Padilha, entretanto, nos dois primeiros episódios de Narcos a narração onipresente chegou a me incomodar. Deixou Narcos com uma faceta de documentário, por demais. Tanto é que, para ir de frente a isso, Narcos precisa, em todos os episódios, se iniciar com um letreiro que diz que este é somente um trabalho de ficção e que os eventos foram dramatizados. Óbvio que é uma ficção, mas Padilha e os criadores da série, Chris Brancato, Carlo Bernard e Doug Miro, se atém demais aos fatos. Tanto por desejaram esta verossimilhança como pelo quão difundida é a história de Pablo Escobar.

Aqui, portanto, Narcos é recheada de méritos. Principalmente na primeira metade da temporada, enquanto trabalhava o quão querido era Pablo Escobar pela comunidade colombiana, que ele tanto ajudava com as quantias exorbitantes de dinheiro que recebia. Mas lógico, o povo não era o único que Pablo precisava conquistar. Então decai, ironicamente, para um fetiche de José Padilha, que são as questões políticas. Que em Narcos, no entanto, são trabalhadas de maneira até superficial. A realidade é que a série se apressa demais em relação aos acontecimentos, a passagem dos anos acontece sutilmente, mas em demasia.

Funciona, mas poderia ter se estendido além. Ainda mais sabendo que, logo mais, o inevitável irá acometer aPablo Escobar. Contudo, há muita competência envolvida em Narcos para que dê algo errado. Até a necessidade da narração constante vai sendo assimilada e diluída, aliviando o tom documental. Até por conta da liberdade autoral que Padilha dá aos subsequentes diretores dos episódios, com Guillermo Navarro(de Hannibal), Andi Baiz e Fernando Coimbra tendo uma liberdade estética palpável nos episódios que ficam em suas mãos. O que vem a calhar, muito bem ainda por cima.

Existem, entretanto, elementos que não mudam. Alguns são por bons motivos, como as atuações. Uma das atuações que mais me agradou em Narcos foi a de Juan Pablo Raba, que interpreta Gustavo Gaviria, o primo de Escobar. Com uma forte presença, ele era uma força a ser reconhecida, tanto que o clima altera-se completamente depois da partida indesejada dele. A alteração é tanto intencional, como não. O ator fez um trabalho tão bom que é difícil imaginar que se quisera abrir mão dele, mas era algo necessário à trama, que não é volátil e precisa seguir certos pontos históricos.

Senti, na verdade, que se Narcos tivesse encerrado sua primeira temporada no oitavo episódio, no qual Gustavo é morto, haveria um gancho mais interessante para a próxima temporada. Não que eu esteja desmerecendo os episódios subsequentes, mas a sensação é de que ali, no oitavo episódio, era o momento de se encerrar a temporada. Sendo o segundo ano, portanto, focado em como Pablo Escobar lidaria com as coisas de forma solitária. Seria, também, de uma grande frieza por parte de Padilha, que nos deixaria ainda mais desamparados, com Escobar finalmente saindo em desvantagem. Daria, também, mais espaço para atuação de Wagner Moura como Pablo Escobar.

Ou melhor, daria mais espaço para que ele melhorasse seu trabalho, que nesse primeiro ano é incrível. Enquanto muitos gostam de focar no sotaque e pronúncia, eu prefiro é focar no quão delicado é o retrato que Wagner Moura e a série como um todo fazem de Pablo Escobar. As roupas, o tênis branco, as calças jeans. Por incrível que pareça, havia ali ainda uma dor. E como Wagner Moura transpassa isso é encantador. Há uma certa inquietação, um incomodo, sempre parece haver algo consumindo o Pablo Escobar de Wagner Moura, que parece nunca querer sorrir, nunca estar satisfeito.

Faz parte da humanização de Pablo Escobar e a realidade que ele criou para sua Colômbia e para o mundo. Sabemos que ele tem culpa, que suas ações saíram do controle em dado momento. Porém, Pablo Escobar, ao menos em Narcos, parece muito mais uma consequência. A negligência inicial dos Estados Unidos, a desejada ignorância dos oficiais colombianos, a insensatez dos produtores de cocaína e, lógico, seus ávidos e, muitas vezes, indefesos consumidores que sucumbem ao vício quase inevitável da droga. Tudo se relacionava um pela consequência do outro e vice e versa. Oferta e demanda correspondidas.

Por que, então, se preocupar com algo assim quando as quantias de dinheiro exorbitantes angariadas por Pablo Escobar tornavam essa decadência inexistente no país onde fantasias, como a dele próprio, ganhavam vida? O financiamento do realismo mágico protagonizado por Pablo Escobar é uma consequência de inúmeros fatores com os quais, aos poucos, vamos nos acostumando a viver. Porque, ainda que taxado como tal, Pablo Escobar não é um vilão, se o é, está longe de ser o vilão perfeito. Entretanto, também nunca foi herói. O Pablo Escobar de Narcos só mostra que quanto mais inacreditável é a verdade, mais nós lutamos para fingir que ela é apenas uma mentira.

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