Crítica | Master of None | 2ª Temporada

- in Séries de TV
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Master of None (2ª Temporada) (Netflix, 2015-); Criada por: Aziz Ansari & Alan Yang; Direção: Aziz Ansari, Alan Yang, Eric Wareheim, Melina Matsoukas; Roteiro: Aziz Ansari, Alan Yang, Adam Ansari, Lena Waithe; Elenco: Aziz Ansari, Eric Wareheim, Kelvin Yu, Lena Waithe, Alessandra Mastronardi, Shoukath Ansari, Fatima Ansari, Bobby Cannavale, Riccardo Scamarcio, Ilfenesh Hadera, Clem Cheung, Leonard Ouzts, Angela Bassett; Número de Episódios: 10 episódios; Data de Lançamento: 12 de Maio de 2017;

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Da primeira temporada de Master of None o que mais ecoa em minha memória é a vitória como melhor comédia no Critic’s Choice Awards em 2016. O discurso de Alan Yang, co-criador da série junto de Aziz Ansari, era simples mas subvertia uma noção comum e utilizava dessa mesma simplicidade para mostrar o quão extraordinário era olhar para além do próprio umbigo. Assim deixando claro como a primeira temporada, que parecia algo novo e até revolucionário, dava vozes a minorias de uma maneira irretocável. Se o feito do primeiro ano era algo tão grandioso, superar tal feito parecia um ainda maior. Mas como num simples discurso se vê o talento dos criadores, o que dizer sobre uma segunda temporada que, após muita espera, chega mais ambiciosa e ciente de que precisa dessa ambição, e que entrega um resultado final que parece ainda mais seguro de si, indo além no que já havia constituído e alcançando um patamar ainda mais alto? Intercalando uma série de situações previamente testadas e novos experimentos, a segunda temporada de Master of None encontra seu auge ao deixar fluir sua voz interior, emprestando do cinema italiano uma de suas maiores virtudes e, aplicada com maestria, construindo uma ponte emocional arrebatadora.

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Enquanto o primeiro episódio torna óbvia a relação com o cinema italiano, numa espécie de homenagem em que se recria alguns momentos marcantes de Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette), filme de Vittorio De Sica lançado em 1948 e um dos precursores do neorrealismo italiano, as referências se estendem ao longo da temporada. A cena de abertura, com alguns clássicos italianos sendo deixados à mostra, é uma bela previsão do que está por vir. Porém, enquanto bebe de tais fontes, assim como as reverencia com a evidente paixão que nutre por tais obras, Master of None em momento algum deixa sua voz de lado, pelo contrário, enquanto introduz a alguns e reavive memórias de outros através dessas referências, a série galga para si uma própria identidade em meio a isso. A beleza do que se constrói vai das menores nuances às mais perceptíveis influências, navegando entre o ultrarromântico, o romântico mais comedido e a margens sociais, com participações ativas de minorias e pontos de vistas que quebram com as padronizações. Os estados que a série atravessa, indo de uma embriaguez poética a um sóbrio cotidiano, bem como o próprio inverso, acontecem em transições tão naturais que, muitas vezes, acabam sendo essas bem conduzidas proezas que tornam Master of None numa obra grandiosa.

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Portanto, isso é algo que parece mais perceptível quando entram em cena os pais de Dev (Aziz Ansari), Fatima e Shoukath Ansari que, não atores, acabam se encontrando em tramas e episódios em que Master of None tenta explorar esse lado mais natural, consequentemente do cotidiano. Assim como havia acontecido no aclamado episódio Parents, da primeira temporada, neste segundo ano temos um ótimo debate sobre religiões e crenças focado na família de Dev. A forma como é tratada a temática não encontra naturalidade em sua desenvoltura por uma simples característica da série, mas pela maneira como a conquista. A atuação do casal está longe de ser algo do que se esperaria de convidados especiais profissionais da indústria, porém, quando Master of None assume essa faceta acanhada de ambos, que tentam interpretar versões de si mesmos, a rigidez e por vezes até a falta de timing dos dois se faz um charme a parte de suas participações. No entanto, há inteligência para aproveitar tal elemento, o que ficou evidente no episódio da primeira temporada. Essa recepção de braços abertos torna uma aparente simplicidade numa complexa construção de identidade, da qual não somente nos aproximamos da realidade dos personagens e o que representam, mas como eles se aproximam da nossa.

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Essas combinações têm como consequência ápices que se dão mais especificamente em alguns episódios ao longo da temporada, no caso deste segundo ano ficando por conta de New York, I Love You e Thanksgiving. A amplitude que se angaria no primeiro, com a distribuição de diferentes pontos de vistas de Nova York, uma que não é a mesma para todos, é de impressionante riqueza, onde cada uma das três histórias conta com suas próprias características, e calham de uma sensibilidade que transborda e é transportada igualmente de uma a outra. O outro trata com delicadeza da sexualidade de Denise (Lena Waithe, que co-roteiriza o episódio) e o processo de recepção e aceitação de sua homossexualidade por parte de sua família, contando com uma participação especial irretocável de Angela Bassett como a mãe da personagem. As fases pelas quais acompanhamos a personagem, ao longo dos anuais almoços em família, fala também do próprio reconhecimento da identidade da personagem, e os dilemas que lhe cabem por conviver numa sociedade como a nossa, ou similar. Evidente num tocante diálogo quando Denise, ainda criança, é advertida por sua mãe que, segundo suas já atuais condições, sua luta para perseverar no mundo será triplicada. Mulher, afro-americana, homossexual, Denise não é utilizada por Master of None como bandeira, e sim como aquilo que é, protagonista de sua própria de história num mundo que lhe recusa o espaço que é seu.

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(Divulgação: Barbara Nitke/Netflix)

Algo levemente semelhante ao que Aziz Ansari faz quando se coloca no romance central da temporada ao lado de uma deslumbrante Alessandra Mastronardi -como esquecer o “Am I Evil?” da personagem no quinto episódio? Há antes disso, porém, aquele estado da vida no qual provavelmente boa parte de nós se identifica, quando do episódio First Date, onde o romance dá lugar a uma praticidade na tentativa de um preenchimento que, possivelmente, é parecido com aquele que busca Peter (Clem Cheung), o pai de Brian (Kelvin Yu), mas talvez em níveis de intensidade diferentes. Dev não sabe muito bem o que busca, Peter encontra nas companhias uma aconchegante solução para sua solidão. São extremos e, ainda assim, agem tão em comum. Porém, First Date ainda tem uma aura que explana os diferentes perfis, as diferentes identidades que se encontram numa variedade de escolhas, nas quais se refuta ainda mais possibilidades de algo que é aquilo que se espera, ou além. O platônico cai por terra. Aqui, pela seletividade do que funciona aleatoriamente; em um grau mais sério, como na outra trama desta temporada, quando o personagem de Bobby Cannavale (Vinyl, Homem-Formiga) parece saído dos noticiários nacionais envolvendo o ator “global”. O encanto se esvai, um ideal se desfaz, resta a realidade que há por detrás dessas máscaras. Uma realidade cuja interesse em a ver sendo debatida numa terceira temporada é imenso.

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Retornamos, por fim, ao romance. Ao ultrarromântico quando Mastronardi, numa das sequências mais insanas de Master of None, arranca o coração de Dev. Ou seria o do público? Melancólico, o nono episódio é um romance sem ceder aos clichês, porque seus personagens tornam a diferença viável. Outra homenagem ao cinema italiano, Amarsi Un Po começa a todo vapor, a cena de Dev e Francesca dentro da farmácia parece tirada de clássicos atemporais. Aos poucos se sucede a realidade dos fatos, e Master of None tem trunfos por encarar assim a situação, como havia feito na primeira temporada, quando Dev e Rachel (Noël Wells) decidem morar juntos. Inebriados pela paixão que o casal nutre por si, o público se vê desiludido e contorcido pela complexidade singela que se faz o reconhecimento desses personagens, de suas vidas, de suas indecisões. Um fio condutor da narrativa, o romance estrangeiro em terras americanas toma para si o peso de nos transportar para algo que é essencial. Por mais que doa ao longo da quase uma hora do nono episódio, o que Master of None empresta de suas referências é a capacidade de constituir um diálogo com aquilo que se encontra no âmago de nossas vidas. Allora, é arrebatador!

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