House of Cards (Netflix, 2016)
Criador: Beau Willimon
Showrunner: Beau Willimon
Direção: Tucker Gates, Robin Wright, Tom Shankland, Alex Graves, Kari Skogland, Jakob Verbruggen
Roteiro: Beau Willimon, Melissa James Gibson, Frank Pugliese, John Mankiewicz, Laura Eason, Bill Kennedy, Kenneth Lin, Tian Jun Gu
Elenco: Kevin Spacey, Robin Wright, Michael Kelly, Mahershala Ali, Jayne Atkinson, Neve Campbell, Derek Cecil, Nathan Darrow, Kim Dickens, Elizabeth Marvel, Dominique McElligot, Molly Parker, Paul Sparks, Sebastian Arcelus, Boris McGiver, Ellen Burstyn, Colm Feore, Cicely Tyson, Lisa Gay Hamilton, Joel Kinnaman, Lars Mikkelsen
Número de Episódios: 13 episódios
Data de Lançamento: 04 de Março de 2016
O texto contém spoilers.
House of Cards, não coincidentemente, se alinha com os anos eleitorais nos Estados Unidos, quando a corrida pela presidência toma a frente nos noticiários do país e, algumas vezes, do mundo. O cinismo da série criada por Beau Willimon, este que não retornará para a quinta temporada de House of Cards, parece muito mais plausível do que aquilo que os americanos acompanham nas eleições reais deste ano, com a ignorância de Donald Trump atraindo cada vez mais atenção para si. Ambos, entretanto, revelam como o eleitor regular desempenha um papel cada vez mais automático de simplesmente escolher o menos pior.
A verdade, quando não é suprimida, tem simplesmente a capacidade de ofender, porque ela não é conveniente. Opiniões divergentes, pensamentos retrógrados, ingenuidade política, entre muitos outros defeitos são o que acometem candidatos. O que, então, nos faz gostar tanto de Frank (Kevin Spacey) e Claire Underwood (Robin Wright)? Quando o escritor Thomas Yates (Paul Sparks) retorna nesta temporada, é definitivamente quando somos capazes de compreender plenamente tanto o efeito de ambos sobre o público da série, como os próprios Underwood, nos tornando, consequentemente, tanto vítimas como co-conspiradores de uma trama de intrigas. As ações de cada Underwood também nos tornam incapazes de sermos imparciais.
Não é à toa que a Claire de Robin Wright tenha maior aprovação que o próprio marido, que é o candidato. Por mais que ela compartilhe dos segredos sujos, foi o Frank de Kevin Spacey quem precisou ir até o fim em algumas coisas, o sangue está nas mãos de ambos, mas são na do segundo que elas se fazem visíveis. A consequência disso é a manipulação de Claire sob a campanha de Frank no início da temporada. Com a ruptura dos dois ao final do terceiro ano, aqui Claire se mostra a real ameaça à Frank e tudo aquilo que ele sempre almejou, coisa que raramente fez por si só.
É desesperador, ver os dois separados. Porque se perde uma integridade. Se House of Cards seguisse por esse caminho, com certeza poderia se encerrar neste quarto ano. Entretanto, a admissão de Frank de que, ao contrário do que ele queria acreditar, Claire é parte atuante, influente e essencial, não só de sua vida, mas de sua carreira, House of Cards parece mirar mais alto, ganhando para si mais um ou dois anos de vida. O que pode ser bom e o que pode ser ruim, depende de como os substitutos de Beau Willimon lidaram com a situação junto com a Netflix, após o que foi estabelecido nesta quarta temporada para os Underwood.
Neste quarto ano algo recorrente foi a adição de novas personagens. O que acabou influenciando, negativamente, em alguém que tinha recebido bastante atenção no terceiro ano. Depois do arco sensacional de Doug Stamper, magistralmente interpretado por Michael Kelly, nesta quarta temporada de House of Cards personagem e ator foram tratados como meros coadjuvantes. O que decepciona após ter se estabelecido algo muito bom no final do ano anterior. Se Doug, no fim da terceira temporada, deu a entender que era tão fundamental quanto Claire para Frank, os roteiristas de House of Cards infelizmente fizeram questão de se retratarem em relação a isso, colocando-o numa posição novamente inferior.
Nas ascensões e descensos de vários personagens, pode-se perceber algo interessante na visão de mundo de Beau Willimon. Ainda que seja capaz de criar e contemplar o corrupto, em todos os sentidos da palavra, do mundo da política, como já havia feito em Tudo Pelo Poder (The Ides of March), em House of Cards também há um fio de esperança, uma chance da verdade, nem sempre agradável, prevalecer sobre as intrigas que consomem a todos em seu entorno. Heather Dunbar (Elizabeth Marvel), por exemplo, teve justamente que desistir da corrida por sucumbir a momentos tais como este. Mas mesmo ela já havia jogado sujo, ainda que superficialmente.
Por isso essa busca se sintetiza na reportagem de Tom Hammerschmidt (Boris McGiver), dando continuidade aos achados de Lucas Goodwin (Sebastian Arcelus). Ver o retorno deste último personagem foi um pouco desanimador, afinal ele fez parte de uma das tramas mais paralelas e dispensáveis de House of Cards em seus quatro anos. Porém, foi lindo quando sua atitude desesperada colocou Frank Underwood ainda mais forte na corrida pela presidência. Só que, criada por Beau Willimon, autor de teatro, é óbvio que a tragédia teria um papel para si própria na história. Uma via de mão dupla, ela tanto fomentou um favorecimento presidencial, como uma análise mais profunda dos clamores de Lucas Goodwin.
Assim, Tom Hammerschmidt finalmente começou a juntar as peças do quebra-cabeça. Pela primeira vez conseguindo reunir informações concretas, mas não aleatoriamente. Se há algo que fica ainda mais evidente nesta temporada, são as conexões dos Underwood com o restante de seus mundos. Por isso a adição e o retorno de alguns personagens se fizeram importantes. Por isso é tão importante Frank admitir o fato de que ele não é nada sem Claire, e não o inverso. Se a reportagem de Tom Hammerschmidt esboça a queda de Frank Underwood, a quarta temporada esboça quem estará lá por ele quando a queda ocorrer.
Momentos da trama que podem parecer dispensáveis, ganham na beleza estética da série um novo significado. Em alguns momentos, as mãos e o contato entre elas se fez uma parte muito importante de House of Cards. Quando Frank não cumprimenta devidamente seu amigo Freddy (Reg E. Cathey). Ou, então, quando Claire segura a mão de sua mãe, Elizabeth Hale (Ellen Burstyn), pela última vez, mas acompanhada de alguém. Frank, entretanto, não encontrou na parede que compartilhou um íntimo momento com Edward Meechum (Nathan Darrow) nem sequer resquícios de alguém em quem ele confiava e, quem sabe, até amava. Por mais que ele tenha Claire, é plenamente plausível de que, quando caia, ele o fará sozinho. Aqui pode até justificar-se o afastamento de Doug Stamper.
Assim, preciso discordar quando alguém diz que House of Cards perdeu sua regularidade, e o quarto ano da série prova justamente o que digo. Tanto nos inteligentes e sofisticados roteiros, como nas atuações e na direção dos episódios. O resultado final é uma House of Cards que mantém seu nível de qualidade, mas que pode estar ambicionando demais. O discurso de Frank Underwood no último episódio da temporada serve como um ultimato. O que veremos a seguir, agora sem a brilhante mente criadora da série, definirá a brevidade, ou não, do futuro de House of Cards. Enquanto isso, a realidade é que, realmente, Claire e Frank, ou Frank e Claire, não são mais somente marido e mulher ou parceiros de chapa. Agora uma possibilidade, algo que se almeja tornar, resta saber até que ponto é o suficiente para se evitar um exagero desnecessário.