Pacarrete, 2019; Direção: Allan Deberton; Roteiro: Allan Deberton, André Araújo, Natália Maia e Samuel Brasileiro; Elenco: Marcélia Cartaxo, João Miguel, Soia Lira, Zezita Matos, Samya de Lavor, Edneia Tutti Quinto, Rodger Rogério e Débora Ingrid; Duração: 97 minutos; Gênero: Drama, Comédia; Produção: Allan Deberton, Ariadne Mazzetti, César Teixeira e Clara Bastos; País: Brasil; Distribuição: ArtHouse e 02 Play; Estreia: sem data.
Uma das principais funções do cinema é a de contar histórias singulares. Podemos divergir quanto ao método, linguagem ou narrativas, mas, no fundo, o que sempre prevalece é a potencialidade de um grande personagem ou de um arco envolvente. Pacarrete tem exatamente isso em mente. Durante toda sua projeção a direção sabe que não precisa lançar mão de artifícios ou excessos para encantar o espectador, uma vez que possui um trunfo chamado Marcélia Cartaxo a qual transforma uma protagonista que tinha tudo para ser apática e odiada pelo público em uma personagem irreverente e já histórica do cinema nacional.
Na trama, Pacarrete (Marcélia Cartaxo) é uma bailarina aposentada que vê uma oportunidade de voltar aos palcos na festa de 200 anos de sua pequena cidade no interior do Ceará, Russas. Ao ver seu pedido negado pela prefeitura, a dançarina se vê forçada a buscar outros meios de retornar a sua atividade.
Como se percebe pela sinopse, não há um grande arco ou um grande mote a ser conquistado por Pacarrete, ela apenas quer voltar a dançar e ponto. Essa aparente falta de conflitos, poderia prejudicar e muito a produção, de forma a parecer inchada ou desnecessária. O grande sucesso consiste na construção feita pelo roteiro do também diretor da fita Allan Deberton e da atriz Marcélia. Ambos constroem uma figura irreverente, engraçada, sensível, por vezes insuportável, e cruel, ou seja, um misto de personalidades que criam algo muito verdadeiro. Não existe uma unidimensionalidade nela e isso, além de aproximá-la da realidade, torna suas atitudes imprevisíveis e inusitadas.
Além disso, a direção de Deberton, estreante em longas-metragens, se mostra muito segura na condução da narrativa a qual aliada com a direção de fotografia de Beto Martins, entregam um filme exuberante sem necessitar apelar para paletas de cores exageradas ou até mesmo para planos excessivamente belos. Há uma busca pela beleza na simplicidade que vai desde as escolhas para iluminar Pacarrete em um palco até na escuridão da rede de sua casa após a perda de um ente querido.
Mas nada no filme é tão fascinante quanto Marcélia Cartaxo, uma atriz versátil que ja passou por A Hora da Estrela e Madame Satã, entregando a performance de sua carreira de uma maneira doce, firme e contagiante. O trabalho de construção de Pacarrete é singular, desde a forma como a atriz utiliza os olhos e enche a boca para proferir os diálogos, tudo ajuda a compor. Além disso, a projeção da voz que Cartaxo escolhe para a protagonista ajuda muito no humor e na estranheza e, sem dúvida, auxilia na conexão com o público. E se tudo isso não bastasse, ela ainda dança. Pode não ser a exímia bailarina que você espera, mas a expressão e a emoção cobrem qualquer falta aparente de técnica.
Pacarrete, então, é um belo exemplo de como um filme de baixíssimo orçamento tem potencial não só artístico quanto comercial. Ademais, é uma produção vinda do nordeste, fruto de investimento público visando incentivar diversidade de narrativas e de localidades. Sem isso, filmes como esse não estariam aí. Mesmo que isso fuja um pouco do objetivo da crítica, é preciso ressaltar que, devido ao momento em que o país se encontra, precisamos reafirmar a importância de editais e políticas pensadas para o audiovisual, permitindo que histórias como essas possam chegar até nós.
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