“Batman” (“The Batman”, 2022); Direção: Matt Reeves; Roteiro: Matt Reeves & Peter Craig; Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Jeffrey Wright, Colin Farrell, John Turturro, Peter Sarsgaard, Andy Serkis; Duração: 176 minutos; Gênero: Ação, Drama, Policial, Thriller; Produção: Dylan Clark, Matt Reeves; País: Estados Unidos; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 03 de Março de 2022;
Batman é um herói tão difundido culturalmente, cuja popularidade torna até difícil pensar uma maneira que a alguma nova encarnação do personagem possa inovar. Na realidade, há muito material a ser explorado, mas como contar uma história diferente ao que todo mundo já conhece? Como permitir ao personagem que tenha um tom de autenticidade que seja marcante? É ainda mais difícil fazê-lo depois da trilogia de Christopher Nolan ter sido algo tão definitivo para o gênero, dando uma proeminência ao herói que inclusive fez a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas alterar o número de indicados ao Oscar em Melhor Filme para 10 (ou até 10). Depois disso, porém, veio a ascensão do MCU (Universo Cinematográfico da Marvel), e numa tentativa de competir com a rival de gênero, DC e Warner levaram praticamente uma década para lançar um novo filme solo do herói. A aposta em Matt Reeves, vindo do excelente encerramento da trilogia “Planeta dos Macacos”, se mostra certeira, e a longa espera por um novo filme do vigilante é compensada em “Batman”. Um filme que faz jus ao seu título e a tudo o que o personagem representa e tem a oferecer. Um filme em que desde os primeiros minutos percebe-se estar diante de uma experiência singular.
É muito bem-vinda a maneira na qual Matt Reeves apresenta o personagem, sem uma nova história de introdução, sem precisar se debruçar cansativamente em histórias de origem e introduções de personagens que estamos cansados de saber quem são. É também uma prova do quanto este “Batman” confia na inteligência de seu público. E está tudo ali, sem ser didático ou condescendente, o filme deixa claro desde a inexperiência do protagonista, como a dinâmica das relações entre seus aliados. É tudo muito bem definido e trabalhado, o que torna o desenvolvimento do herói como personagem muito rico. É verdade que existe alguma proximidade com o realismo que Christopher Nolan clamou para o personagem com orgulho em seus filmes, mas há também lições (positivas!) que são tiradas da iteração do personagem em “Batman vs. Superman”. Contudo, aqui o realismo é até maior, e existe uma “crueza” muito grande em diversos aspectos. Até por isso, o filme se revela menos como uma típica produção do gênero de super-heróis/heróis, e se desenvolve como um thriller noir cuja detetive protagonista calha de ser o Batman. Essa é a estrutura principal da narrativa, num casamento perfeito com as características que definem o personagem e sua maneira de pensar/agir.
Não é à toa, portanto, que esteticamente “Batman” se encontre e entregue ao público numa experiência audiovisual que destoa completamente do que estamos acostumados aos blockbusters hollywoodianos, especialmente aos filmes do gênero. O personagem e o noir se completam, e o jogo de sombras é desenvolvido por Greig Fraser (“Duna”), diretor de fotografia, com maestria e de maneira vibrante, ainda que o filme tenha um tom completamente sombrio também neste aspecto. É um trabalho que foge dos padrões enlatados aos quais fomos obrigados a se acostumar. Fraser e Reeves não somente dão vida ao filme com cores, luzes e sombras que são elementos que cinematograficamente acabam subaproveitados, mas não se acomodam e buscam meios menos convencionais de retratar o personagem através das câmeras. Brincam com o orçamento do filme como se estivessem no quintal de casa, completamente em paz, mas também completamente cientes do que estão fazendo e de como fazê-lo. Dois mestres de suas artes que se encontram aqui no que é, até então, o ápice de suas carreiras. Matt Reeves, inclusive, conduz o filme com graciosidade, e tem tanto controle daquilo que faz que torna as quase 3 horas de filme em indispensáveis, numa narrativa que em momento algum perde o fôlego e não cansa de surpreender e extasiar, seja através de suas reviravoltas ou soluções áudio/visuais para colocar o Batman.
A mise-en-scène é um espetáculo à parte, contudo, não fica à deriva. Isso porque os interpretes dos personagens aos quais somos apresentados nesta iteração do herói também estão todos inspiradíssimos. Jeffrey Wright com seu Gordon é sempre sólido, Andy Serkis como Alfred é muito efetivo nas poucas vezes que aparece. O Pinguim de um irreconhecível Colin Farrell é memorável, e antagoniza alguns dos grandes momentos do filme. John Turturro é uma grata surpresa e também entrega seu máximo sempre que aparece, e como é bom vê-lo em cena! O destaque, porém, é o trio principal: Zöe Kravitz só confirma a grande atriz em que se tornou ao longo dos anos, e entrega uma Mulher-Gato irresistível, cuja química com o “Morcegão” parece transcender a tela. Paul Dano faz do seu Charada um personagem assombroso e um vilão que, muito bem escrito, ganha ainda mais complexidade e qualidade através do ator e sua interpretação. Óbvio que o principal nome não podia ser diferente: o Batman de Robert Pattinson. Se alguém ainda duvida da capacidade do ator, é porque simplesmente parou no tempo. Um dos mais versáteis e interessantes de se assistir na última década. Ainda que apareça pouco como Bruce Wayne, a diferença de postura é notável. Mas quando está entregue ao Cavaleiro das Trevas, Pattinson faz a diferença. É de arrepiar, por exemplo, sua capacidade e sua expressividade, mesmo debaixo de todo o aparato do Batman, em traduzir uma miríade de emoções e sensações no principal embate com o Charada. Uma atuação de altíssimo nível!
Tudo se encaixa na visão que Matt Reeves tem do Batman. E o resultado é embasbacante. Uma obra cuja sinestesia traz às telas um herói já conhecido, mas o qual tem um desenvolvimento refrescante, tão bem calculado que é um deleite, um verdadeiro prazer de se assistir. E ainda que possa ser sombrio ou melancólico, existe aqui uma ressignificação do personagem, que só é possível pelo que entregam tanto Reeves no comando quando Pattinson com seu talento que, lapidado e amadurecido, é capaz de carregar o personagem numa transição de simbolismo que é muito preciosa e recheada de vida. Isso porque é também um filme apaixonado. Seja por seu personagem, seja pela arte e pelas possiblidades que o personagem abre para se explorar através dessa arte. Um blockbuster autoral e autêntico, que corre riscos e se vê recompensado por isso. Também apaixonante. “Batman” é desde já uma das grandes obras do gênero. O que se vê aqui, raramente se encontrará em outro lugar. É ótimo que ainda tenhamos a possibilidade, em meio a tempos onde a fórmula é cada vez mais o segredo do sucesso, de experienciar algo singular. Algo que aspira a ser mais do que aquelas produções em série e desalmadas, desapaixonadas, que Lana Wachowski criticou em seu “Matrix Revolutions”, há menos de 3 meses atrás. E mostra que é possível, sim, ir além. “Batman” é cinema em sua mais pura forma!
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