Até os Ossos” (“Bones and All”, 2022); Direção: Luca Guadagnino; Roteiro: David Kajganich; Elenco: Taylor Russell, Timothée Chalamet, Mark Rylance, André Holland, Anna Cobb, David Gordon Green, Michael Stuhlbarg, Chloë Sevigny; Duração: 130 minutos; Gênero: Drama, Romance, Suspense; Produção: Luca Guadagnino, Theresa Park, Marco Morabito, David Kajganich, Francesco Melzi d’Eril, Lorenzo Mieli, Gabriele Moratti, Peter Spears, Timothée Chalamet; País: Estados Unidos, Itália, Reino Unido; Distribuição: Warner Bros. Pictures; Estreia no Brasil: 01 de Dezembro de 2022;

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(Imagem/Divulgação: Yannis Drakoulidis / Metro Goldwyn Mayer Pictures)

É impressionante como Luca Guadagnino consegue falar tão efetivamente sobre o amor usando diferentes fachadas, mas também sempre com uma sobriedade admirável, através de filmes que mesmo com diferentes roupagens podemos encontrar momentos de sensibilidade com os quais facilmente nos identificamos. Mais recentemente vimos isso no seu subestimado remake de “Suspiria” e no aclamado “Me Chame Pelo Seu Nome”. Há uma variedade de camadas para o que Guadagnino debate em seus filmes, e em “Até os Ossos” isso se faz verdade uma vez mais, onde uma narrativa inusitada se mescla a temáticas até simples de filmes, onde uma enriquece a outra e resultam no que encontramos aqui. Na história contada pelo filme acompanhamos Maren (Taylor Russell), uma adolescente que precisa fugir de sua cidade após não conseguir controlar seu instinto nada peculiar e que coloca sua família em risco. No meio do caminho em busca pela resposta de o que ela é, Maren conhece Lee (Timothée Chalamet) e os dois jovens estranhos encontram, por um momento, um refúgio um no outro. Mas esse instinto que compartilham é forte demais para que a violência não faça parte de suas vidas, o que os conduz a uma jornada que parece se fazer apenas sombria.

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(Imagem/Divulgação: Yannis Drakoulidis / Metro Goldwyn Mayer Pictures)

Esse aspecto sombrio dos protagonistas torna possível que Guadagnino explore nuances que remetem ao terror em seu filme, onde constrói tais momentos com grande maestria, assim como todo o restante do filme. Afinal, “Até os Ossos” transita graciosamente entre diversos gêneros para explorar as facetas que seus personagens assumem ao longo dessa jornada em busca de um lar. A violência como uma característica natural deles é o que emula o terror em sua forma mais gráfica ou através do suspense, mas o romance entre protagonistas que provém dali faz com que essa característica, simultaneamente, torne o filme em algo melancólico, respaldado pelo seguro comando de Guadagnino e as atuações de todo o elenco, inclusive das menores participações. De quebra ainda encontramos um road movie, que configura muito essa sensação de deslocamento pela qual os personagens, e sua busca incessante por um encaixe numa sociedade que naturalmente os rejeita. O que também ecoa nessa efervescência que é transição da adolescência para a vida adulta, período pelo qual Maren e Lee estão acometidos junto ao afloramento do instinto que “consome” não só a eles. Apesar de parecer convoluto, Guadagnino traduz tudo isso de maneira muito orgânica e o efeito é, aos poucos, mais impactante.

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(Imagem/Divulgação: Yannis Drakoulidis / Metro Goldwyn Mayer Pictures)

Muito disso é responsabilidade da equipe que ele comanda com extrema precisão e entregam um exímio trabalho. Um dos principais destaques é, obviamente, a direção de fotografia, assinada por Arseni Khachaturan, em seu primeiro grande trabalho da carreira, conseguindo estabelecer lindas paisagens mesmo em lugares muito deslocados e marginalizados, sinalizando essa busca por um lar dos protagonistas e à forma como o encontram. Contudo, também sabe muito contrapor com os momentos de tensão, utilizando de ferramentas que também estabelecem sentimentos inquietantes quando necessários. Mas é na sensibilidade entre a grande e a pequena escala que tudo fica ainda melhor, que as imagens se tornam ainda mais ricas. Porque quando colocadas em vida pela montagem de Marco Costa, essas imagens fazem “Até os Ossos” se tornarem em algo vibrante, numa narrativa imponente que encontra o amor mesmo em meio a tanta violência. É de uma beleza estonteante, mas junto dela, há também uma inevitável melancolia, que é pontuada com a inspirada trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross. Todos os elementos se destacam um pouco mais, vez por outro, mas é em conjunto que fazem o momento derradeiro do filme ser extremamente bárbaro, impactante e memorável. Algo que só é capaz, também, por causa do elenco.

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(Imagem/Divulgação: Yannis Drakoulidis / Metro Goldwyn Mayer Pictures)

Mark Rylance foi alçado ao status que tem hoje por Spielberg, alguns anos atrás em “Ponte dos Espiões”, e ainda não cansou de mostrar a razão disso. Sua presença em cena é literalmente assombrosa, e torna seu personagem em alguém soturno, ameaçador de uma maneira muito peculiar e não maniqueísta. Participações menores, como a de André Holland, Chloë Sevigny e Michael Stuhlbarg também se fazem marcantes, mesmo em poucos minutos, umas mais que outras, é verdade. Os grandes destaques, porém, são inevitavelmente, e para o bem de “Até os Ossos”, seus protagonistas. Timothée Chalamet (“Duna”) não é surpresa alguma, mas é sempre bom notar como ele consegue exibir diferentes nuances, entregando um personagem complexo, que mesmo em meio a violência que precisa exercer para continuar existindo ainda exibe uma vulnerabilidade. Esta que é explorada muito bem pela presença de Taylor Russell, fazendo com que ambos os personagens se completem. A jovem atriz já havia mostrado do que era capaz em “As Ondas” (“Waves”), filme de pouca repercussão, mas excelente, onde ela, em seu primeiro grande papel, já demonstrava imenso talento. Aqui Russell só reforça a grande atriz que é, e conduz o filme junto a Guadagnino. O fato de sua proximidade com a idade da personagem que interpreta torna tudo ainda mais efetivo. O desamparo da personagem ganha mais gravidade, sua solidão se torna mais desoladora, suas decisões se fazem mais urgentes. O tempo todo com Taylor Russell tornando o filme em seu, e a empatia que ela se mostra capaz de gerar cria uma catarse arrebatadora no clímax do filme. “Até os Ossos” queima como um romance literário ao seu próprio tempo, mas quando nos toca, percebemos que desde o princípio sempre estivemos juntos na mesma página. Deslumbrante!

Até os Ossos” – Trailer Legendado:

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