Na última coluna do “Filmes no Divã” de 2018 fiquei pensando sobre o que poderíamos conversar, de que forma, nós como uma sociedade fomos impactados sobre a ordem de algum comum. Passamos por um período eleitoral, independente de quem você votou, foi difícil para todo mundo. Vimos amizades sendo desfeitas, famílias discutindo mais do que normal. Mas penso que nossos sintomas começaram antes do período eleitoral. O ano de 2018 foi bastante anormal, no sentido, que se alguém nos perguntasse como estamos, a resposta mais sensata seria: “Não sei”. Uma mistura de angústia com ansiedade que nos levou a um limbo desconhecido. O que isso nos diz como sociedade?

Como uma tradição de escapar do espírito natalino, todo ano preparo uma lista de filmes para ver, esse ano tive a sorte de encontrar a produção chinesa “Um Elefante Sentado Quieto” (2018), do diretor Hu Bo. E não se assuste com a duração de 3h50 do filme, pode parecer cansativo, mas vale a pena observar a história cruzada de quatro personagens angustiados em suas próprias narrativas. Não me entenda mal, nunca vale a pena sofrer, mas de alguma forma nos ajuda a elaborar nossos próprios relatos. Se tem uma coisa que realmente acredito é a capacidade de filmes e séries de captarem e dar imagem aos nossos sentimentos. “Um Elefante Sentado Quieto” realmente nos coloca em um lugar desconfortável da nossa própria angústia. E depois procurando sobre o filme, como ele foi feito, críticas, curiosidades, me deparei com a informação que o jovem diretor Hu Bo suicidou logo após o término das gravações, e no filme nos deparamos com dois suicídios. Chega a ser até plausível relacionar o filme com o diretor, mas Hu Bo não estava falando apenas sobre a sua dor e angústia.

 

Caso você tenha se interessado pelo filme ou quem sabe um dia por acaso se depare com ele, note como o diretor usa a câmera muitas vezes destacando as costas dos personagens que ficam o tempo todo andando pela fria e cinzenta cidade chinesa na qual residem nossos personagens. Isso para mostrar que aqueles personagens, que também poderiam ser nós, andamos em uma contemporaneidade que se apresenta conectada, mas ao mesmo tempo adoecida. Vimos e tiramos selfies, registramos nossas vidas nas redes sociais, tentamos nos enquadrar em um “padrão de vida e beleza”, compramos as melhores roupas, comidas, celulares, rimos com amigos, vemos filmes, escrevemos poesias, ouvimos músicas, mas então por que estamos angustiados e por muitas vezes solitários?

Ligamos a tv e o que eles dizem nos jornais é bastante sério, violência por toda parte, discurso de ódio sendo manifestado como se fosse gentileza. Impasses políticos que impedem plataformas sociais de avançarem para garantir o mínimo de decência para a população. Tudo virou um balde de incertezas. Sim, você pode pensar que o sujeito é individual e cada pessoa vivencia e explora sua experiência de vida de forma única, assim sendo, também seus próprios sintomas. Concordo. Mas nós também somos sociedade, e nos constituímos através do Outro da linguagem, somos nomeados antes de nascer e já criam expectativas sobre nossas vidas antes de darmos o primeiro choro. Então somos indivíduos coletivos. E temos que nos ocupar do porquê de nossa angústia. Sentir é importante, e se você estiver lendo e sentindo angustiado, não tem nada de errado em buscar ajuda de um profissional. As vezes precisamos de alguém a quem projetar nossas palavras e sintomas.

Deixei algumas perguntas no texto, e preciso avisar que se estiver esperando algumas respostas, eu não tenho para dar. Na maioria das vezes, questionar e interrogar é melhor que uma simples resposta. E o fato de estarmos em uma narrativa da sociedade que no momento parece estar no ápice da sua angústia e mesmo assim podendo questionar tantos porquês já mostra o nosso incômodo e de certa forma avanço, e é por aí que talvez encontramos um melhor caminho para sermos uma sociedade menos adoecida. E talvez possamos ser nossos próprios Expecto Patronum.

Trailer “Um Elefante Sentado Quieto”:

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