Nós (Us, 2019); Direção: Jordan Peele; Roteiro: Jordan Peele; Elenco: Lupita Nyong’o, Winston Duke, Shahadi Wright Joseph, Evan Alex, Elisabeth Moss, Tim Heidecker, Yahya Abdul-Mateen II, Anna Diop, Madison Curry; Duração: 116 minutos; Gênero: Drama, Suspense, Terror; Produção: Jason Blum, Ian Cooper, Sean McKittrick, Jordan Peele; País: Estados Unidos; Distribuição: Universal Pictures; Estreia no Brasil: 21 de Março de 2019;
Há dois anos Jordan Peele conquistava o mundo e quebrava recordes com seu longa-metragem de estreia, posteriormente sendo laureado com o Oscar, onde quebrou tabus e barreiras há muito duradouros. Assim, a expectativa para esse seu segundo filme é uma na qual se quer ver um mestre demonstrar seu pleno domínio sobre um gênero. Algo que é possível de se contemplar aqui uma outra vez, pois Peele segue afinado e afiado com seu material, aqui desenvolvendo até para além do que se viu em “Corra!” (“Get Out”), sendo que “Nós” (“Us”), possivelmente, tenha até mais para dizer nas entrelinhas dentre toda sua complexidade.
Principalmente porque é uma narrativa que funciona em múltiplas camadas. Por mais que a trama principal seja aquela envolvendo os duplos da família protagonista, há muito do filme sendo contado através de justaposições, sejam dessas famílias, sejam daqueles próximos à família, ou na riqueza de detalhes que a equipe de Jordan Peele utiliza para construir todo o filme; portanto, atenção redobrada a todo momento. Entretanto, mesmo que se deixe de prestar atenção, não deve ser complicado compreender o todo, visto que a grande derrapada de “Nós” é mastigar sua reviravolta e se embasar em exposições de roteiro para deixar tudo inteiramente explicado.
É revoltante principalmente porque subestima a capacidade do público, porém, ainda mais neste caso, porque “Nós” não tinha a menor necessidade em se utilizar disso, visto o quanto resguarda implicitamente por todos os lados. É bem verdade que o escopo do que se revela pode ser surpreendente, mas mesmo que fosse apenas o esperado ou algo diferente do que de fato é, a explicação de como se chegou até ali é excessiva. Até porque a questão não é tanto como virá a reviravolta, mas quando, porque a leitura dos fatos é bem passível de ser feita o quanto antes.
Muito por conta de como o filme se estrutura narrativamente, contando com flashbacks. Ainda que estes sejam muito bons, onde, por exemplo, Yahya Abdul-Mateen II (“Aquaman”), mesmo sem muito desenvolvimento em seu personagem, entrega através de seus trejeitos uma figura marcante dentro da história. Fica claro, também, como trauma é uma questão recorrente dentro do filme, é um ponto essencial dentro de nós e de “Nós”. Assim, Jordan Peele transcende o comentário racial, que ainda se faz presente, e aborda também questões universais, ainda que possa ser demasiadamente subjetivo em dados momentos. O importante é aonde se quer chegar no todo, realmente. Para além da banalidade da reviravolta.
O horror em “Nós” é presente não só na forma já costumeira, ainda que executada a perfeição, mas em seu desenvolvimento psicológico. Com o suspense não sob a gratuidade da violência, mas ao pertencimento, ou não, dentro desta narrativa, onde o confronto no clímax se faz o grande momento. O terror maior está na subjugação do outro, que é também você. Uma recíproca que tem suas consequências, que leva a seu mais pleno autoconhecimento. Contudo, a maestria de Jordan Peele está na sensação com que nos deixa no final, se o medo proveniente do terror em “Nós” é, também, o deslocamento, principalmente social, nos vemos, de certa maneira, também deslocados ao final do filme.
Um misto de emoções difícil de explicar, e certamente potencializado por Lupita Nyong’o, facilmente em seu melhor trabalho desde que venceu o Oscar de Atriz Coadjuvante. É ela o pivô dessas emoções. No entanto, também é auxiliada pela química com o elenco, com a família interpretada por ela, Winston Duke, Shahadi Wright Joseph e Evan Alex sendo um dos grandes trunfos do filme, onde os atores conseguem equilibrar perfeitamente as transições de “Nós” entre o que pedem os diferentes momentos; aterrorizantes, apreensivos e aflitos, engraçados e dramaticamente emocionantes. Em certo sentido, aqui um passo à frente de “Corra!”, Jordan Peele consegue em “Nós” criar uma obra que é muito mais completa em gerar uma certa sinestesia, extasiando justamente quando é preciso, ainda que esbarrando em um ou outro empecilho. Nada que impeça uma revisão, muito bem-vinda, para se tentar descobrir todos os segredos que guarda (mos).
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