O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 2016)

O burburinho entorno do projeto começou em Sundance desse ano, após arrebatar crítica e pública, ser aplaudido, ganhar os principais prêmios do festival e ainda ser o longa metragem independente vendido ao maior preço já visto na história do festival. Além disso, o filme é homônimo de outra obra americana dos anos 10, dirigida por ninguém menos que um dos maiores diretores da época: D.W. Griffit, porém contendo um conteúdo totalmente racista e discriminatório, abordando a guerra de secessão no ponta de vista dos brancos. Agora, o ponto de vista é dos negros, assim como a luta e o anseio por liberdade, direitos e representatividade, algo constante e necessário no debate nos tempos de hoje.

Dirigido, estrelado e produzido por Nate Parker, um ator com estigma de coadjuvante em outros projetos na indústria, tendo o próprio acumular múltiplas funções para tornar o projeto real, em meio a indústria do “Oscar So White”, da plena falta de representação do negro em todos os espaços, sobrando papeis secundários ou estereotipados. Nate então tenta ir na contramão disso, produzindo um filme predominantemente negro, por causa de seu elenco e seu olhar, sobretudo, em contar uma estória de escravidão em moldes não muito convencionais, em prol da rebeldia das correntes escravocratas, algo não muito comum aos filmes da temática, principalmente se depararmos a quantidade de diretores brancos dissertando sobre o tema. Enfim um negro teve a coragem de colocar a cara a tapa e falar sobre isso.

As comparações com ainda “recente” 12 Anos de Escravidão do Steven McQueen (2012) são inegáveis, o primeiro ato do longa remete inclusive a estética narrativa do filme de McQueen. Contudo, contrariando aos pensamentos comuns, vindouros após assistir o trailer ou ler algo sobre o Nascimento, não se trata de um filme de escravidão. Trata-se de um filme de revolução, da inconformidade, do nascimento de uma ideia, da disseminação dela, de como ela infecta uma sociedade majoritária e marginalidade e conclama ela para luta em prol de afirmação. É um filme para instigar, provocar e incomodar, é impossível se fazer de indiferente diante de tantos socos no estômago que Nate Parker nos dá, de forma constante, não há um momento de brecha na qual podemos respirar, é paulada a projeção inteira, seja de forma direta ou ainda subjetiva.

O filme não é perfeito, o primeiro ato soa totalmente desperdiçado, não faz muito sentido aquilo na composição da narrativa e na construção do personagem principal, soa repetitivo de outros filmes do gênero. Outra coisa pra lá de bizarra é o fato de “Nascimento de uma Nação” tentar abordar, de forma tímida, os princípios culturais e religiosos de matriz africana na influência étnica da sociedade negra nos Estados Unidos durante a escravidão, porém são coisas tão jogadas que tornam tudo meio banal – rebaixa ao misticismo a cultura africana, um olhar periférico do assunto. É estranho um negro contar uma história sobre uma rebelião de negros, tendo como influência principal a bíblia cristã na qual o protagonista foi doutrinado por seus “donos” brancos. A alusão de que Nate (também nome do personagem vivido por Parker) seria encarnação/representação de Jesus Cristo é interessante e pujante, pois literalmente Jesus representou a luta em prol de princípios universalizados – banalizados por seguidores cristãos na maioria das vezes – como a liberdade, igualdade e o amor na essência da vida.

O elenco no geral é muito bom, Nate Parker tem uma dramaticidade até então escondida, ele urge para luta no olhar, não necessariamente no grito. Armie Hammer, um ator no qual sempre achei bastante canastra, está muito bem dirigido e desempenha, talvez, sua melhor performance da carreira. Falando nisso, a direção de Parker é extremamente competente, contando uma história com nuances, foge do óbvio e do panfleto, deixa aberta ao público várias questões espinhosas, não usa de maniqueísmo para abordar a questão, apenas ataca, incomoda e provoca o público ao debate urgente, não meramente de representatividade ou de direitos, mas do simples direito de visibilidade dentro da sociedade que tenta não enxergar as minorias, ainda hoje e ainda amanhã, tentando diminuir filmes assim na sua essência, por serem formadores de opinião, terem ideia própria que incita ao público atos novos na sociedade. É um filme necessário, sem a menor dúvida, que só por isso já valeria a pena. Porém se trata de um filme completo, complexo e essencial, passando a ser uma experiência humana, que consegue dialogar com negros e brancos, em prol de uma causa que urgentemente precisa ser comum, de todos nós.

Nota: 4.5/5

Deserto

Deserto (Idem, 2016)

A Mostra Internacional de São Paulo tem dessas coisas maravilhosas nas quais só o cinema pode proporcionar: Ao mesmo tempo que passa um filme gritante e representativo como “O Nascimento de uma Nação” passa também o longa de estreia do diretor Guilherme Weber, “Deserto” que tenta ter um discurso similar, porém falha gravemente na questão da representatividade. O filme de Weber tem como pilar um grupo de artistas no interior de Pernambuco que peregrinam de cidade em cidade, um belo dia eles encontram uma cidade deserta e contendo água potável. Decidem então residir lá e estabelecer uma sociedade nos moldes nas quais acham necessário, dividindo “papeis” para cada um dos membros.

São esses os papeis nos quais os artistas acham fundamentais na composição da sociedade: o de negro, puta, caçadora, cozinheira, médica, padre e militar. O detalhe mais importante é que o papel de negro é representado por um branco, pois estranhamente um filme que tem como objetivo encenar a composição social/histórica da população brasileira majoritariamente negra e miscigenada não tem um único negro no elenco. Mais estranho ainda é ver que o papel de “Puta” – estabelecido no filme – decai num homem no qual não se considera homossexual, desempenha seu papel como mulher naquela sociedade, porém só ascende sendo submissa (o) de outro homem. Ou seja, um filme que tenta ser militante das minorias detém de contradições grotescas, incômodas e preconceituosas (!), servido de uma reprodução de dogmas discriminatórios comuns na sociedade, tendo uma confrontação satírica que passa a ser interpretada como indulgente.

A direção de arte, os figurinos e a fotografia de “Deserto” se sobressaem diante de um roteiro tão raso, superficial e pretensioso. As mais belas citações de Shakespeare pode engrandecer a narrativa, mas soam totalmente vazias em sua essência, falta alma, essência e principalmente falta vida inteligente no longa, que se faz de libertário, de conscientizado e representativo, na verdade é bem o oposto, dando a impressão literal de ser um filme feito por homens brancos dissertando sobre questões completamente senso comuns na composição da sociedade brasileira na qual há um gritante desconhecimento, seja pela ausência de negros ou seja ainda pela inexistência de índios na narrativa.

Eu acredito que o filme seja bem intencionado, que o diretor acredite mesmo ser um porta voz das minorias em prol do representatividade, mas a gente cai naquele velho dilema: De boas intenções o inferno está cheio. Mesmo com o elenco ótimo do longa, a direção eficiente, o texto torna o projeto um literal – perdoem o trocadilho-  deserto de argumentação e representatividade, num molde de sociedade na qual não nos representa.

Nota: 1.5/5

Depois da Tempestade

Depois da Tempestade (Umi Yori mo mada Fukaru, 2016)

Filme sobre família até parece uma fórmula de bolo: um pai problemático divorciado que tenta se reaproximar do filho (a) e consequentemente de sua ex esposa, tentando se reincluir na vida deles. É basicamente essa a premissa do japonês Depois da Tempestade, seria clichê se não fosse um filme tão bem escrito, bem humorado e tão encantador, no qual essas relações são postas de forma iluminada, o pai “desajustado” tenta ser melhor para seu filho, mas antes mesmo tem que tentar ser um filho melhor para sua mãe recém viúva de seu pai que fora tão ausente quanto ele.

Rioto, o pai e protagonista do filme, desperdiça muito do seu dinheiro com jogos do azar, ele é detetive particular e antigamente escreveu um livro de sucesso, mas não teve mais sorte nem inspiração pra prosseguir com a carreira de escritor, o deixando frustrado e amargurado com isso. Decorrente disso, se afundou em várias fugas da realidade e responsabilidades, aplicava golpes em seus clientes e atrasava a pensão do seu filho. Em dado momento, ciente de que estava ficando para trás na vida de seu filho e até de sua mãe e que ambos estavam caminhando para frente, superando as adversidades da vida, Rioto decide dar uma grande investida. Eis que o acaso torna possível a reaproximação do pai com o filho, com a mãe e com a ex esposa, num dia de tempestade em pleno verão, forçando o convívio dos quatro na mesma casa.

É um longa comovente, mas não apelativo, não se baseia nos clichês do gênero e deixa evidente o caráter dúbio daquele pai, mesmo tentando se readaptar a vida paternal, continua com aqueles defeitos. Os personagens são bem construídos e bastante empáticos entre si, principalmente a mãe de Rioto que além de ser uma senhora adorável, é bastante bem humorada e divertida. O filme tem um ritmo ótimo, é engrandecedor e nos proporciona um entretenimento ótimo no qual nos faz se colocar no lugar dos seus personagens. É um obra do mestre japonês Koreeda na qual as relações familiares são abordas de formas complexas e ao mesmo tempo simples, como deve ser. Pra que complicar?

Nota: 4.5/5

Vinte Anos

Vinte Anos (Idem)

A diretora brasileira Alice de Andrade estudou e viveu por vários anos em Cuba, onde viu de perto a grandeza do país tantas vezes questionado de forma injusta. Recentemente, Cuba retornou às relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos da América, país que embargou a ilha caribenha por tantos anos, visando asfixiar o país em prol de sua aniquilação. O ponto de vista do documentário da diretora é abordar duas Cubas diferentes: Aquela dos anos 90, onde os anseios da população eram completamente opostos aos do país em 2015, pós a abertura para o mundo ocidental capitalista.

Não é um filme maniqueísta, pelo contrário: Ela tenta mostrar ao máximo de como as relações com os americanos podem ser benéficas para o país latino. Contudo, é notório perceber como o capitalismo vai impregnando aos poucos aquela sociedade, fazendo questionar sobre questões nas quais não faziam, como a necessidade de adquirir mais riquezas. No ponto de vista capitalista, Cuba é um lugar decadente, onde todos ganham salários péssimos, moram em habitações informais e são obrigados a produzir para sociedade.

Já no ponto de vista de qualquer pessoa com bom senso e mente aberta, Cuba representa um modelo de socialismo funcional, apresentado por uma câmera intimista onde quem mesmo apresenta são os personagens. Num país onde os serviços públicos são universalizados e públicos, onde os salários “baixos” são padronizados e não representam um sistema de pobreza institucionalizada, pois o sistema de “castas sociais” é meramente capitalista, não se aplica portanto em Cuba. É um debate vasto, não dá pra falar do país também sem mensurar a falta de eleições diretas para a presidência da república, no qual os Irmãos Fidel e Raul Castro dividem o poder desde a revolução e tudo indica que a filha de Raul será sua sucessora. Porém se no Brasil que é essa “democracia” toda, temos um presidente ilegítimo e ao que tudo indica podemos ter outro eleito em eleição indireta pelo congresso nacional, ou seja, essa questão de democracia passa a ser algo questionável, principalmente por não haver uma única crítica de nenhum dos depoentes ao governo cubano ou até mesmo ao sistema de governo do país (!). Pode parecer uma visão romantizada/ exaltada do país, porém ela filma justamente nas áreas nas quais nós podemos taxar de periféricas.

É um documentário essencial para conhecer a grandeza de uma nação ao mesmo tempo que acompanhar os dilemas particulares e gerais daquela sociedade. É lamentável, no entanto, perceber que Cuba não será mais a mesma como nos depoimentos dos anos 90, a esperança é que não regrida e tão pouco deixe de ser um contraponto ao mundo de uma experiência que deu certo e pode dar em outros países. Cuba, portanto, é a lembrança de um modelo possível e realizável, onde o capitalismo já tentou e possivelmente tentará novamente apagar. Que não aconteça.

Corações Cicatrizados

Corações Cicatrizados (Inimi Cicatrizate, 2016)

Eu sou fã do longa anterior do diretor romeno Radu Jude, o “Aferim!”, acho uma bela pérola do cinema romeno, um faroeste nem um pouco convencional. Foi por isso que fui com expectativas elevadas e muita curiosidade para ver Corações Cicatrizados, adaptação do romance de Max Blecher, sobre a vida em um sanatório, acompanhando um paciente vítima de tuberculose óssea, tentando viver as experiências ao máximo do que pode, não se submetendo as implicações da doença.

Infelizmente, o diretor até tenta aproveitar o material que tem, porém o usa de forma didática perturbadora, intercalando cenas com citações escritas do livro original. O longa por si seria abstrato sem essas citações, mas com elas torna bastante difícil de compreender, tirarmos nossas próprias conclusões, pois ele tenta nos induzir a todo momento na marra a sentir o mesmo do personagem. Outro fator bastante perturbador é sua câmera imóvel filmando justo um personagem que fica deitado na cama a projeção inteira. Ou seja, quase não dá pra reconhecer/ sentir o que se passa com ele, só deduzir diante das citações inconvenientes.

Diferente de “O Escafandro e a Borboleta (2007)” que nos fazia sentir na mesma posição do personagem, o Corações Cicatrizados só nos causa tédio e indiferença, é uma estória bastante trágica, difícil não se compadecer ao final da projeção. Porém, ao longo dela o que se sente é total desprezo e eu diria sono. Particularmente eu dormi bastante no filme e cheguei a cogitar desistir, não o fiz. Fiquei até o fim e me deparei com um filme tão pseudo, que ao final passo a crer que dormir teria sido a melhor opção.

Nota: 1/5

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