Freda” (2021); Direção: Gessica Généus; Roteiro: Gessica Généus; Elenco: Néhémie Bastien, Djanaïna François, Fabiola Rémy, Jean Jean; Duração: 93 minutos; Gênero: Comédia, Drama; Produção: Jean-marie Gigon; País: Haiti, França, Benim;

É impressionante que “Freda” seja apenas o primeiro longa-metragem da cineasta haitiana Gessica Généus. No filme que nos traz uma visão intimista dos efeitos da pobreza e do auxílio financeiro e político estrangeiro no país, auxílio esse que, na verdade, parece apenas aumentar ainda mais esse abismo socioeconômico existente ali. A velha história dos ricos ficam mais ricos, e os pobres, mais pobres. Uma realidade não tão distante das periferias brasileiras, num reconhecimento que deixa clara também a conexão de ambos os países. O filme de Généus consegue ser tão amplo naquilo que quer capturar, ainda que seja até simples em sua narrativa, não de uma maneira pejorativa, mas por se apresentar de uma maneira bastante tradicional, quase padrão. O fato é que isso talvez até impulsione o envolvimento emocional com o filme, pois sua execução é estupenda. Généus mescla muito bem realidade e ficção, numa espécie de hibridismo que torna tudo ainda mais pessoal. Com isso ela afasta qualquer naturalismo que possa soar até tedioso, dando um ritmo único a seu filme. Assim, ela cria e estabelece muito bem suas personagens, enquanto consegue debater muito bem através deles todas as pautas que deseja.

Da crise religiosa, cuja evangelização demoniza as crenças originárias do país, a crise identitária, onde se torna comum debater formas de clarear sua pele para tentar ter alguma chance a mais. Da crise econômica, onde alguns vivem na miséria, a corrupção política, que torna abastados figuras que desfilam pela sociedade como se tivessem vindo de outro planeta, dada a discrepância do que esbanjam em bens materiais, sem qualquer vergonha. Há também outro ponto de vista da crise migratória, pois se aqui vemos como muitos haitianos são recebidos com xenofobia, nos é mostrado a batalha para conseguir sair dali e ter uma mínima chance de sobreviver, mesmo que aqui, para alguns, ambas as realidades ainda se façam próximas demais. E quem é pivô de praticamente tudo isso é a protagonista Freda, interpretada por Néhémie Bastien. Ela e Généus fazem uma parceria impecável. Não é só a estética do filme que ressalta tudo ali, num trabalho de fotografia e montagem que são de encher os olhos, mas é como Bastien dá vida a tudo aquilo.

Quanto mais nós envolvemos com ela, mais o filme cresce, e mais o restante do elenco parece crescer também ao contracenar com ela. Généus também tem um comando muito rico de todo seu elenco, arrancando não só credibilidade, mas uma autenticidade emocional que é invejável para muitos outros cineastas. Só que não podia ser diferente, e tudo gira em torno da protagonista interpretada por Bastien, e o resultado é algo bárbaro. Os sorrisos, as lágrimas, a angústia, a tão rara alegria, a fúria, o medo, uma miríade de sentimentos que ela é capaz de transmitir com tamanha grandeza e tocam no amago, não apenas isso, a destacam de forma singular, tornando até natural um debate intrínseco sobre negritude e a importância desse auto reconhecimento e aceitação como um caminho para discutir o que é e qual é o lugar do preto na sociedade. “Freda” é um colosso de filme, um trabalho exímio e que não só clama, mas merece toda atenção possível!

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