Hannah (2017); Direção: Andrea Pallaoro; Roteiro: Andrea Pallaoro e Orlando Tirado; Elenco: Charlotte Rampling, André Wilms, Stéphanie Van Vyve, Simon Bisschop; Duração: 95 minutos; Gênero: Drama; Produção: Clément Duboin, John Engel, Andrea Stucovitz; País: Bélgica, França, Itália; Distribuição: a definir; Estreia no Brasil: a definir;
É incrível ver uma atriz ser redescoberta após a maturidade, com trabalhos realmente desafiadores. É o caso da britânica Charlotte Rampling, de 71 anos. Ela sempre foi um símbolo de beleza e versatilidade, porém a indústria cinematográfica sempre foi impiedosa com estrelas que envelhecem, a deixando num hiato de projetos realmente instigantes e agregadores. Em 2015, com “45 Anos” de Andrew Haigh, Rampling venceu o Urso de melhor atriz do festival de Berlim e mostrou ter muito a oferecer, precisando apenas de oportunidades verdadeiras para trabalhar. Agora, com Hannah, a atriz venceu recentemente o prêmio de melhor atriz do festival de Veneza, e nos entrega novamente uma atuação simplesmente única, mostrando ser uma força da natureza. Rampling é hoje uma das atrizes mais expressivas do cinema. Em seu olhar sentimos sua aflição. Mais que isso, sentimos um grito de uma mulher em plena decomposição.
É um tipo de filme onde não há quase nenhum fator concreto sobre a narrativa, propondo a dedução e com isso instigando o espectador. Hannah (Rampling) é uma mãe, esposa e avó, ela é empregada doméstica numa casa burguesa e tem como hobby’s cursar aulas de teatro e praticar natação, tentando manter uma vida equilibrada diante de males que a afligem: Seu marido está em cárcere, seu filho cortou relações com ela e seu neto é uma figura totalmente ausente. Ela ainda tem uma condição social instável, não compatível com seu ar aristocrático, mostrando uma notória falta de identidade com seu cotidiano. Hannah é uma mulher forte, mas que na verdade está em fragalhos e à medida do tempo ela começa a perceber não haver fuga – precisa lidar com seus demônios ou será devorada.
Dirigido com tamanha sutileza pelo italiano Andrea Pallaoro, Hannah é uma experiência densa, cansativa, provocativa. Não é fácil, muito pelo contrário, é preciso uma grande boa vontade do espectador em adentrar na proposta do filme, em embarcar naqueles dilemas daquela mulher, em tentar criar um vínculo com alguém que você pouco sabe, mas ainda assim está ligado à ela. É um trabalho de direção sem qualquer chamativo, usa poucas alegorias, as quais não são muito óbvias, desejando realmente instigar o público, sendo assim um trabalho refinadíssimo. É impressionante também a entrega da atriz ao filme, ela é cercada pela câmera do diretor a todo momento e não mostra fraqueza, se mantém estável do início ao fim. É uma obra silenciosa, com poucos diálogos, onde todas as questão estão contidas no olhar visceral da veterana.
O trabalho de Charlotte Rampling é completo, desolador e redentor. Ela consegue vencer limitações impostas inclusive pela idade, expondo seu corpo nu e cru, fazendo a nós enxergamos a personagem assim: sem vendas e amarras sociais, exposta ao mundo como nasceu. O maior dilema de Hannah é se deparar com uma baleia encalhada na praia e se identificar com ela: Ela vê-se encalhada no marasmo da própria vida, na sua infelicidade, morrendo aos poucos a cada dia. É possível ela sair dessa? É uma situação que não resta mais caminhar, é preciso de rapidez, numa jornada com significância.
Em dado momento, a personagem adentra ao metro e percebe a necessidade de escolher o sentido a seguir. É basicamente isso que o filme propõe em si. É um trabalho tão grandioso de direção e atriz que os eventuais problemas da narrativa são deixados de lado, sobretudo pela entrega ser tão forte que ao final da projeção estamos arrebatados. E no anseio de ter nossa própria escolha da questão apresentada, tomando para si os dilemas centrais da personagem. No final, acabamos sendo todos parte de Hannah.