“Era Uma Vez um Gênio” (“Three Thousand Years of Longing”, 2022); Direção: George Miller; Roteiro: George Miller & Augusta Gore; Elenco: Tilda Swinton, Idris Elba, Nicolas Mouawad, Jack Braddy, Ece Yüksel, Burcu Gölgedar, Aamito Lagum, Matteo Bocelli; Duração: 108 minutos; Gênero: Fantasia, Drama; Produção: George Miller, Doug Mitchell; País: Estados Unidos, Austrália; Distribuição: Paris Filmes; Estreia no Brasil: 01 de Setembro de 2022;
7 anos depois do lançamento do aclamado “Mad Max: Estrada da Fúria”, George Miller retorna com um filme que traz boa parte da equipe que ajudou a produzir seu filme anterior, no entanto, ao contrário do que se esperava, “Era Uma Vez Um Gênio” chega aos cinemas sem muito alarde. A recepção mais morna é até compreensível dada a faceta mais “nichada” do filme, contudo, é inegável que só de termos outra produção com o nome de Miller envolvido já é um atrativo e tanto, ainda mais quando o encontramos tão inspirado e envolvido numa ideia como é o caso aqui. Apesar do escopo aspirar a uma certa grandeza, com ares de uma produção épica, o que encontramos é, na verdade, algo que soa bastante pessoal, íntimo à George Miller e o que de mais profundo há em seu âmago, e o próprio parece plenamente consciente disso, sendo capaz de tornar algo que poderia soar piegas em extremamente funcional. É passional, é verdade, mas isso faz parte de todo o lúdico que George Miller usa para construir sua narrativa, que se revela um romance autoral inspirado em grandes obras da literatura e é, em si, uma carta de amor a essas narrativas.
E narrativa é uma palavra chave, pois “Era Uma Vez um Gênio” tem em sua protagonista uma especialista em narratologia. O amor por histórias e por contar histórias é o que move a Alithea de Tilda Swinton e, por sua vez, a narrativa de George Miller. A solitária protagonista, uma renomada academicista, encontra refúgio nas narrativas que estuda e, em uma viagem a Istambul, se depara com um gênio, interpretado por Idris Elba. A questão é: ela não consegue pensar em 3 desejos que gostaria de realizar, assim como também não confia no gênio, pois conhece as traiçoeiras consequências desses pedidos. Eis que, para convencê-la a realizar seus desejos, o gênio dá a ela o que ela mais deseja: conta a história de suas experiências anteriores ao longo de milhares de anos. A princípio, o filme é quase teatral, com Swinton e Elba confinados em um quarto de apartamento enquanto dialogam entre si. Mais uma faceta do contar de histórias, pois não importa o lugar onde se encontra, a imaginação pode e consegue fluir das mais variáveis e incríveis maneiras. Assim começa a viagem pelo fantástico pelo qual a mente de Miller tem tanto apreço, num pequeno quarto dando lugar aos mais deslumbrantes cenários.
Até certo ponto, “Era Uma Vez um Gênio” é um mergulho experimental, afinal, George Miller, quando adentra a seu mundo de fantasia no filme, faz de tudo para que sua obra passe longe de ser convencional, têm todos os seus traços de uma mente efervescente combinados a um universo que abre ainda mais possibilidades de serem explorados por se tratarem de fábulas. Há um contraste gritante quanto aos cenários do filme, intencionalmente, pois se trata dos mundos diferentes em que Alithea vive. O hotel representa seu cotidiano solitário, uma vida vivida de maneira melancólica, mas o mundo apresentado pelo gênio é o mundo de sua imaginação, que se reflete inclusive na caracterização geralmente colorida da personagem de Tilda Swinton. Uma contradição ambulante, mas cuja jornada de transformação ganha vida através de sua própria fábula, com suas próprias lições de moral. E a fantasia salta aos olhos com um trabalho técnico impecável, desde a fotografia de John Seale, aos figurinos e cenários, todos ganhando uma dinâmica singular e de tirar o fôlego, impulsionados pela montagem de Margaret Sixel. O que presenciamos é algo único, cuja cores, beleza e criatividade não se poderia esperar de ninguém mais além de George Miller e aqueles de sua confiança.
Porém, toda essa loucura só funciona porque se consegue dar algum sentido a ela, e é quando o lúdico se encontra ao piegas para mostrar o quanto essas emoções e sentimentos dão à vida alguma razão para ser. É como Alithea encontra a resposta de seus desejos, numa viagem que coloca todo o talento de Tilda Swinton e Idris Elba a disposição do espectador e reservam surpresas muito bem-vindas e bem escritas. O desenvolvimento permite à narrativa de George Miller se transformar em algo mais, para além da fantasia encontramos uma meditação sobre a vida, sobre ser e estar sozinho, sobre como o tempo influência nossas decisões e a maneira na qual encaramos a vida. Acredito que há no filme muito do que George Miller pensa sobre si próprio a esta da altura da vida, e isto o torna ainda mais encantador, porque em meio a toda a fantasia, existe um quê de realidade, um ponto com o qual nos identificamos, nos encontramos e nos reconhecemos ali. Porque essa é a epifania de toda fábula, no fim ela não é sobre algo fantástico, mas sobre as jornadas que nós traçamos ao longo da vida, e quando pensamos encontrar algo para além do mundo, o que o George Miller nos lembra é isso: o quão extraordinários somos!