Eu não me considero um entusiasta da proposta de cinema do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, contudo sempre achei interessante as suas ideias expressas da exaltação da figura materna, as questões da liberdade sexual e até mesmo o vanguardismo no girl-power impresso em suas protagonistas femininas. O cinema de Almodóvar é cheio de simbolismo, fetichismo, exotismo… Atributos que fogem da narrativa convencional, só que nem sempre isso parece ser uma qualidade. Em “Os Amantes Passageiros (2014)”, o cineasta emula Luís Buñuel sem a menor cerimônia, transformando um voo numa experiência banal e totalmente cartunesca. Adotando um tom mais sério, porém seguindo o mesmo tom novelesco e caricatural, Almodóvar fez “Julieta”, seu novo filme baseado no romance da escritora laureada com o Nobel Alice Munro, onde retorna a discutir sobre maternidade, em sua fase mais obscura e densa. Julieta (Emma Suárez na maturidade e Adriana Ugarte na juventude) é uma mulher de meia idade prestes a se mudar de Madri para Portugal, eis que um belo dia recebe notícias sobre sua filha Antía (Blanca Parés), a deixando atordoada emocionalmente. Ela então decide cancelar a viagem, retorna ao antigo bairro onde residia com sua filha e decide escrever a filha sobre tudo que ocorreu com as duas.

A narrativa do longa consegue construir um vínculo com o público, sobretudo por atiçar a curiosidade referente ao caráter aparentemente dúbio da protagonista. São tantos fatos, acontecimentos, tragédias gregas literais que acontecem na vida de Julieta de forma súbita, chega a ser difícil acompanharmos, digerirmos tudo a tempo, pois logo em seguida já nos deparamos com um novo fato. O problema de seu roteiro é seguir tantos caminhos, os deixando aberto, mas não os fechando. Há muita sugestão e subjetividade no texto, contudo não há nenhum risco no qual o filme de fato assume, soando covarde vindouro de um diretor caracterizado por um tipo anti-convencional. Chega a perturbar inclusive como a questão central da trama – a maternidade – chega a ficar em segundo plano em determinado momento, deixando evidente a falta de objetivo singular ao escrever e executar tal longa. A direção de Almodóvar segue os mesmos vícios, seja por sua direção de arte vibrante, com o uso do vermelho praticamente em cada frame, ou seja por expor aos limites possíveis suas personagens femininas, as mostrando firmes, sólidas, gélidas na mesma proporção de sentimentais e fragmentadas. O tom novelesco comum em suas obras, aqui parece não funcionar muito, é incrivelmente superficial e monótono a forma na qual é contada a estória, essa ideia de escrever memórias relembrando os fatos é totalmente batida, algo que até as novelas da Globo tem evitado fazer. As atrizes Emma Suárez e Adriana Ugarte intercalam bem uma com a outra, com destaque particular pra primeira que tem a parte mais ingrata e carrega com dedicação.

Julieta é sim um filme sobre o prisma da maternidade mais obscuro: a crueldade por parte dos filhos em não compreender suas mães. Contudo, é uma proposta que emerge mais nos seu último e derradeiro ato. Até lá nos deparamos com questões mais universalidades, tratadas de forma artificial – a obsessão na forma patológica; o desejo de vingança; os velhos valores tradicionais em decadência etc. Não chega a ser uma experiência negativa, ao contrário, é uma proposta interessante, principalmente em perceber o padrão de repetição que os filhos apresentam, repetindo os mesmos erros aos quais condenam seus pais terem feito. Contudo, não é um longa marcante e tão pouco induz ao êxtase e empolgação, logo o esquecemos e seguimos adiante. Se em 2011 eu fiquei num misto de choque e desconforto após assistir “A Pele que Habito”, hoje eu fiquei com bastante apático depois de ver o novo filme de Almodóvar. Faltou arrebatamento, algo no qual ele já demonstrou saber fazer como ninguém. Quem sabe na próxima…

TRAILER LEGENDADO

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