Direção:David Fincher

Roteiro: Gillian Flynn

Elenco: Ben Affleck, Rosemund Pike, Kim Dickers, Carrie Coon

Estreia no Brasil: 02 de outubro de 2014

Gênero: Drama/Suspente

Duração: 150 minutos

A cada projeto realizado, o diretor David Fincher vem mostrando maturidade e técnica singular, tendo seus últimos filmes qualidade inegáveis, sobretudo pelo fato de fugir do lugar comum, das narrativas convencionais e temáticas batidas, já vistas anteriormente. Na adaptação do homônimo livro Garota Exemplar (Gone Girl, no original), o diretor alcança plenitude, sendo seu ápice como cineasta até o momento, presenteando com uma obra na qual classificá-la como impecável é mero eufemismo. Se não é o melhor do ano, sem dúvidas é um dos longas mais intrigantes deste ano, pra não dizer da década.

Nick (Ben Affleck) e Amy (Rosemund Pike) se conhecem durante uma festa e muito brevemente se apaixona, vivendo aquela típica paixão clichê, levando até o matrimônio, só que o casamento perfeito acaba caindo no previsível: rotineiro, sem grandes perspectivas, problemas financeiros e esvaziamento de sentimento, agravado ainda mais quando ambos se mudam pro Missouri, levando uma vida tediosa, típica de classe média. Chega então o quinto ano de união dos dois, porém Amy simplesmente desaparece, num cenário de aparente sequestro, mas à medida do avanço das investigações, lideradas pela detetive Rhonda (Kim Dickers), dúvidas se multiplicam, a relação do casal é posta em cheque, não demorando muito para a sociedade civil e mídia sensacionalista declare o marido culpado da suposta morte de sua esposa. Com tal circo montado, inicia-se múltiplas reviravoltas, suspense transbordando e dúvidas em relação a verdade dos fatos. Será que um casal aparentemente perfeito e forjado no mais puro amor seria capaz de decair ao ódio mortal?

Mérito maior para o roteiro, escrito pela própria autora do livro original, com diálogos inteligentes e receados de ironia e humor negro, proporcionando um estudo analítico e minucioso de como o ser humano consegue ser dúbio e destrutivo e ainda como as relações conjugais são superficiais e induzem o pior dos indivíduos. É importante destacar como a argumentação foge do clássico maniqueísmo, de “certo ou errado”, para demonstrar que na realidade nenhum dos personagens principais realmente vale alguma coisa, na realidade o casamento transformou-se numa instituição no qual os interesses de cada um tentam se sobressair em detrimento do outro, sendo o grande trunfo mostrar a construção do matrimônio em cima de máscaras, um querendo passar a imagem mais conveniente, porém desconstruindo o mesmo com a verdadeira face dos seres, os tornando irreconhecíveis para ambos. Além disso, ainda é posto em debate o papel social da mídia nefasta é sensacionalista, manipulando a sociedade e anulando o direito constitucional universal de direito à defesa e dúvida.

Apenas um diretor tão competente e preciso conseguiria transpor tão primorosamente a essência de tal roteiro, o trabalho de Fincher é, no mínimo, louvável. Ele consegue construir uma atmosfera sufocante é envolvente, junto aos seus personagens tão dúbios e misteriosos, permitindo a participação direta por parte do espectador, no qual empatia e aversão aos protagonistas caminham lado a lado a cada minuto da projeção, nos permitindo múltiplos pensamentos, sobretudo na dúvida da razão das atitudes tanto de Amy quanto de Nick. É um longa que permite o espectador a posição de juiz, entretanto no final das contas é difícil chegar a relativa conclusão de quem está certo, pois todos têm seus prós e contras.

A narrativa múltipla não confunde e tão pouco entedia o espectador, graças a edição primorosa de Kirk Baxter (trabalhou em Millenium e Benjamin Button) , no qual monta um quebra cabeças e induz o público a contribuir para montá-lo. A fotografia de Jeff Cronenweth (Clube de Luta e Retratos de uma Obsessão) é elemento fundamental para o desenrolar do enredo, predomina dos tons pesados e escuros na maior parte, aumentando o desconforto e suspense, mas também acrescenta leveza e serenidade em momentos decisivos na construção dos personagens e suas situações. Outro ponto louvável e que aumenta a imersão para o longa é a trilha sonora composta por Atticus Ross e Trent Reznor, mesmo compositores de A Rede Social, sendo mais um trabalho minucioso e intrigante, proporcionando calafrios para o espectador a cada nota.

Se havia algum temor em relação ao fato do protagonista ser o ótimo diretor, porém precário ator, Ben Affleck, ela cai por terra de imediato, pois a carência de expressão de Affleck é perfeita ao personagem, ouso ainda dizer ser sua melhor performance de sua carreira, personificando o personagem o livrando de esteriótipos de vilania, deixando-o com a típica apatia e canastrice de pai de classe média cansado do tédio da rotineira vida e ansiando por aventuras e frescor. O maior destaque fica por conta de Rosemund Pike, uma atriz pouco conhecida, desempenha aqui uma performance arrebatadora, simplesmente assombrosa, transformando sua Amy em uma das personagens mais marcantes da atualidade, proporcionando repulsa e ao mesmo tempo simpatia. Carrie Coon brilha como coadjuvante, não deixa ser eclipsada e mostra ser uma atriz com muito a oferecer ainda, Tyler Perry tem papel de alívio cômico como o advogado que defende Nick, tendo uma participação agradável e certeira.

Mesmo que não seja valorizado de imediato, Garota Exemplar já se imortalizou como um clássico do cinema, sendo um ataque a banalização do amor que a sociedade fermenta, além do individualismo nocivo dos indivíduos, tornando relações meramente superfície de interesses e concessões, transformando magoa em ódio, leveza em leviandade e sentimento em indiferença. Uma obra que nos remete aos nossos desejos próprios por amor ou prosperidade, mas nos induz a refletir qual caminho tomamos para sermos “exemplar”, se me permitem o trocadilho.

 

TRAILER LEGENDADO

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