O Brasil passa hoje um processo de ebulição social desde o processo de impeatchment -ou melhor dizer, GOLPE–  contra a presidenta da república legitimamente eleita em eleições livres e diretas, fazendo ascender de forma indireta ao comando do Executivo nacional um presidente sem voto, representando um projeto totalmente divergente com aquele consagrado nas urnas no pleito de 2014. É importante compreender esse cenário político e social turbulento, pois ele que define o contexto de muitas vidas, sobretudo dos membros das classes mais baixas que são atingidos diretamente pelas medidas impopulares do governo vigente pós-impedimento/golpe. Nesse contexto que “Era o Hotel Cambridge” se baseia de forma livre e incisiva, abordando uma ocupação do movimento dos sem teto frente ao processo de reintegração de posse ordenado pelo Governo do Estado de São Paulo e o Judiciário local, sem levar em questão a particularidade da vida daqueles indivíduos, nos quais vamos aos poucos conhecendo com intimismo e empatia.

A direção de Eliane Caffé emula muitas nuances do singular documentarista brasileiro Eduardo Coutinho, porém não o copia, detém de um personalismo frente sua câmera em sintetizar a essência de um movimento social, sua complexidade e sobretudo sua necessidade em ser necessário. Não é uma obra panfletária, é sim um Cinema político de forma plena e urgente, denunciando os desmandos arbitrários do Estado frente a um grupo marginalizado pelos próprios órgãos governamentais, enquanto tentam buscar por civismo e representação, são massacrados, não só pelos agentes do estado, mas também pela opinião pública moldada graças a uma mídia tendenciosa e favorável à especulação imobiliária e ao desmonte de qualquer movimento social que represente o enfrentamento aos interesses do Capital.

O Hotel Cambridge funciona não só como cenário da narrativa, é um personagem que ajuda na construção dela, assim como Coutinho fez em Edifício Master (2002), com ironia, torna aquele ambiente aprisionador ao mesmo tempo que libertador. É o ambiente comum daqueles indivíduos onde eles se tornam iguais, sem exceção, com suas particularidades individuais, vivem conjuntamente em prol da sobrevivência, com cooperação e respeito, uma experimentação de uma utopia socialista, porém na marginalidade que o Estado os aprisiona, tornando aquela vida periférica, abaixo dos direitos constitucionais supostamente garantido aos cidadãos.

Assim como “Aquarius” representava um grito a favor da resistência, “Era o Hotel Cambridge” grita por mobilização, luta institucionalizada sintetizada em movimentos sociais e populares, na contramão do conservadorismo autoritário do Estado. Ambos os longas-metragens se complementam de forma bárbara, propondo uma forma de Cinema pensante, autocrítico e incisivo, não poupando nenhum setor da civil da responsabilidade dos atuais desmandos que acontecem no Brasil, sobretudo pelo conivente silêncio que nada nos leva. “… Hotel Cambridge” urge para que todos se mobilizem, deixem de lado manifestações meramente virtuais e apoiem causas universalizadas, como o direito à moradia.

Uma das coisas mais interessantes é a mescla de atores profissionais consagrados como José Dumont e Suely Franco – incríveis – ao lado dos próprios moradores, com destaque claro a líder do movimento, que demonstra coerência e solidez em sua liderança, nos fazendo comprar seus ideais de forma natural. Talvez, apenas os mais reacionários e apoiadores de antigos regimes ditatoriais não gostarão da narrativa, aos mais libertários, é impossível se sentir indiferente e, sobretudo, inspirado. Um filme que reflete muito o Brasil do presente e inspira para que o Brasil do futuro seja mais socialmente justo, basta nós irmos a luta, como já diria Bertolt Brecht: “Nada deve parecer impossível de mudar”.

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