Falei brevemente do novo longa de Jacques Audiard, vencedor da Palma D’our do Festival de Cannes deste ano, em um dos meus post sobre a Mostra de São Paulo. Foi um breve comentário por não ter digerido perfeitamente o título, eis que o fatal destino tornou a temática do filme em evidência, na última semana houveram inúmeros de atentados contra pontos específicos na capital francesa, matando centenas de pessoas, sob comando do Estado Islâmico. A França, junto aos demais países europeus, reagiram de forma dura, atacaram a Síria e os focos principais do terrorismo, enrijeceram leis, dificultaram a entrada de imigrantes e turistas ao país… Enfim, A Europa, desde o início do ano, já sofre de uma crise imigratória bárbara causada pelos atos de seus próprios governos sobre os países “sub-desenvolvidos”, causando conflitos, morticínio, doenças, pandemônio, deixando aqueles povos reféns da barbárie, forçados a recomeçar em terras estrangeiras, abdicarem de sua identidade e serem vítimas dos mais demais tipos de preconceitos e ofensas nessa construção de “nova vida”. “Dheepan – O Refúgio” aborda justamente essa questão da imigração, sobre a ótica do imigrante, marginalizado, produto da guerra no Sri Lanka, sem perspectivas além de ter uma vida descente, ao lado de sua falsa esposa e filha, que são obrigadas a fingirem formar uma família para terem uma entrada fácil em território francês. Desde o início da jornada de Dheepan, já vemos que não é fácil a vida de quem não tem qualquer identidade com aquela região tentar viver de forma normal, dá inclusive para remetermos a realidade brasileira, no qual também abriga refugiados e que vivem muitas vezes em sub-empregos.

Audiard não se baseia em proselitismo e tão pouco em maniqueísmo, não aponta os dedos para as feridas, mas também não os poupa: A França é altamente culpada pelos problemas que sofre, seja pela crise imigratória, com alta aumento do números de refugiados ou pelo terrorismo causado pela política externa intervencionista, ou seja pelo fato de do Estado Francês ser ausente para seu povo natural ou amigo. A burocratização do Estado também é outro ponto relevante, pois dificulta a proximidade entre sociedade civil e governo democraticamente eleito, o que gera maior marginalidade, violência e barbaridade. A comunidade afastada, socialmente instável, onde Dheepan e seus pares vão viver é um exemplo do descaso do Estado para os produtos que ele mesmo criou de forma indireta, sendo assim altamente gritante perceber como a sociedade francesa se poupa de mea-culpa ou mesmo de auto-crítica. Ela constrói os próprios demônios e monstros, mas se vitimizam quando eles se rebelam. Não há justificativa ao terrorismo e a quaisquer ato contrário às liberdades e os direitos humanos, individuais e coletivos, porém é um caso que se torna de extrema importância entender o processo, seus fatores, expoentes e produtos para então conseguir compreende-lo e consequentemente muda-lo. O que me parece ser uma falha no roteiro e na direção de Audiard é o tom excessivamente otimista que o longa ganha em seu derradeiro terceiro ato, na qual nos entrega um desfecho pouco verosímil, mesmo que sendo o ideal para uma sociedade plural.

O elenco de estreantes é convincente, desempenham uma performance natural, afinados entre si, são competentes e expressivos, conseguem representar as diferentes fases do imigrante. O problema maior é justo seu final que contradiz a construção de seus personagens e do filme em si, infelizmente isso é uma auto-sabotagem, tornando Dheepan aquém de uma experiência sociopolítica única, daquelas que o cineasta como Costa-Gavras se imortalizou. Defeitos a parte, não deixa de ser um longa pertinente, essencial, feito para pensar e debater sobre as questões políticas globais, levando em conta que a guerra não é um problema regional, é global, humanitária, deve mobilizar sociedade civil, instituições democráticas, globais e suas lideranças, na construção do diálogo na busca pela concórdia e pela paz. É uma esperança que não podemos perder. Tão pouco ousar a lutar.

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