Capitão Fantástico (Captain Fantastic, 2016); Direção & Roteiro: Matt Ross; Elenco: Viggo Mortensen, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Bassom, Nicholas Hamilton, Shree Crooks, Charlie Shotwell, Trin Miller, Frank Langella, Kathryn Hahn; Duração: 118 minutos; Gênero: Comédia, Drama; Produção: Monica Levinson, Jamie Patricof, Shivani Rawat, Lynette Howell Taylor; Distribuição: Universal Pictures; País de Origem: EUA; Estreia no Brasil: 22 de Dezembro de 2016;
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Chega a ser irônico saber que o diretor e roteirista de Capitão Fantástico interpreta o personagem Gavin Belson em Silicon Valley, o CEO de uma das maiores companhias tecnológicas do vale do silício, no mundo fictício da série da HBO. Lógico que, por ser uma ficção, esse paralelo entre os dois projetos diferentes de Matt Ross pode ser irrelevante, bem como pode, também, evidenciar sua lucidez sobre a temática.
Afinal, não é toda semana que se verá alguém comemorar o aniversário de Noam Chomsky como uma data festiva digna de ser considerada um feriado. Mais importante ainda, porém, é perceber como, quando apresenta tal ideia, Capitão Fantástico não faz dela uma piada esdruxula ou uma declamação melodramática de amor ao pensador norte-americano.
É provavelmente aí que Matt Ross, e os parâmetros que traz consigo, fazem o serviço de revelar mais do que se pode relevar. Porque há uma ciência sobre o que essa temática afeta, ao mesmo tempo em que, sendo uma crítica ao consumismo, ao capitalismo por consequência, é também imparcial ao socialismo. Como filme, é inevitavelmente um produto, e parte do discurso se dissolve nisso, mas o balanço que busca enquanto discorre suas ideias deixa mais que claro o quanto é, também, um anseio em compreender.
Outro contraponto excepcional em Capitão Fantástico que explora isso é a própria idade dos personagens. Porque, enquanto coloca as crianças e adolescentes da família descobrindo o mundo de um lado, do outro o personagem de Viggo Mortensen passa por um processo semelhante, agora que sua esposa está longe, e encara um retorno àquilo que há tanto deixou para trás.
O desprendimento que eles sofrem de suas vidas, com a perda da mãe, se apresenta como uma busca por um novo norte na vida dos personagens, não à toa por um bom bocado de tempo o filme assume uma faceta de road movie. Aí se exploram todos os clichês de filmes que retratam famílias em crise, que se veem forçadas a enfrentar uma jornada juntos, num sentido tanto literal como figurativo.
O que traz uma diferença aqui, para além da competência, é a peculiaridade da família. Esta que, ironicamente, atende pelo sobrenome Cash. Outro adendo que também não está ali presente sem motivo. As razões de uma reflexão sobre o choque cultural da família com a sociedade contemporânea, no entanto, não é o ponto central da trama. Por isso mesmo Capitão Fantástico também funciona tão bem.
O foco não recaí sobre os corriqueiros alívios cômicos e deslumbramentos, ou frustrações, conforme a família vai percorrendo os desafios impostos pelo cotidiano alheio do restante da sociedade que se quer dizer conectada. Essa peculiaridade da qual eles fazem parte é, na verdade, algo que dá ricas nuances aos personagens.
Fazendo, portanto, com que doa ainda mais a necessidade de aprender a lidar com o mundo sem aquela que, mesmo instável, era quem lhes dava estabilidade. Uma constante inconstante, por assim dizer. Aqui Matt Ross demonstra uma compreensão singular na sensibilidade necessária para o funcionamento da narrativa.
Há, então, um balanço gracioso entre o cômico e o dramático, mas outra vez, não brincando com a ingenuidade social dos Cash para com o mundo, mas explorando tais elementos com suprema delicadeza, uma calmaria frente ao caos cotidiano. Sem meios rodeios, galgando uma essência sobre o que é, de fato, a vida.
Uma experiência que é aos poucos cada vez mais envolvente, nos deixando cientes de que já fazemos parte da família -interpretada brilhantemente pelo elenco encabeçado por Viggo Mortensen– quando já é hora de dizer adeus. Denso e complexo, Capitão Fantástico demonstra as incertezas da vida de maneira a parecer simples, mas sendo, no fundo, cru e desafiador, gratificante por sua honestidade.
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