Alita: Anjo de Batalha (Alita: Battle Angel, 2019); Direção: Robert Rodriguez; Roteiro: James Cameron e Laeta Kalogridis e Robert Rodriguez; Elenco: Rosa Salazar, Keean Johnson, Christoph Waltz, Jennifer Connelly, Mahershala Ali, Ed Skrein, Jackie Earle Haley; Duração: 122 minutos; Gênero: Ação, Aventura, Drama, Fantasia, Ficção Científica; Produção: James Cameron, Jon Landau; País: Estados Unidos; Distribuição: Fox Film do Brasil; Estreia no Brasil: 14 de Fevereiro de 2019;
Não é nenhuma novidade o que se tenta fazer em “Alita: Anjo de Combate”, assim como a ambição por detrás do projeto não é algo raro em Hollywood. Na realidade, chega a ser um tanto inusitada a escolha de Robert Rodriguez, cineasta acostumado a trabalhar geralmente com orçamentos mais limitados. Aqui apadrinhado por James Cameron, ele tem uma caixa de areia a seu dispor para estabelecer as estruturas que desejar, tirando proveito de seu privilégio. A ideia é construir um universo de imersão que pareça uma novidade, mas que, ainda assim, não seja estranho ao público, que seja amigável. Um passo adiante, mas sem abrir mão da segurança.
Afinal, este é um filme de estúdio que custou centenas de milhões de dólares e precisa compensar na bilheteria seu gasto. De qualquer maneira, é uma aposta arriscada, e isso faz com que diversas limitações sejam impostas tanto sobre Rodriguez, no que ele tem em mente, quanto ao próprio filme e o que este devia ser. A censura, por exemplo, sempre seria um dos requisitos sobre o qual teria de se ter controle, e os executivos conseguiram o que precisavam. Mas é aí que reside, também, outro elemento entre os muitos similares que revelam o quão conflitante é o filme em si próprio.
Por mais que sua censura seja das mais baixas possíveis, é até chocante como “Alita: Anjo de Batalha” consegue ser violento. O que nos faz imaginar como seria uma versão sem as travas para que o filme pudesse ser assistido pelo público em geral. Contudo, a verdade é que poderia não fazer muita diferença, pois a violência, e os eventuais xingamentos saídos das bocas dos personagens, não necessariamente representariam uma maior desenvoltura na narrativa, tanto que, já com a violência dentro dos moldes que os órgãos de censura consideram, generosamente enviesados, passíveis, o grande problema do filme de Rodriguez está em sua narrativa e como é constituída.
Não é nem seu desenvolvimento em si, no roteiro co-escrito pelo Rodriguez com Cameron e Laeta Kalogridis, que se faz um problema. A jornada de Alita é a tradicional jornada do herói, e estão ali todos os elementos que constituem seu funcionamento, sendo que o final é catártico justamente por cumprir este objetivo maior, que é o da transformação da heroína, em um final emocionalmente retumbante e que empolga, só para, logo em seguida, sermos lembrados de que o caminho até ali é, de fato, cheio de irregularidades. No fim o que se sobressaí é o gosto amargo de uma jornada que fica aquém de seu potencial.
“Alita: Anjo de Batalha” carece principalmente de bons personagens, que podiam inclusive dar algo melhor para que seu elenco trabalhasse, ainda que alguns dos principais nomes fiquem devendo. Mas é uma variedade de desperdícios na superficialidade do que se vê. Christoph Waltz é um dos coadjuvantes que mais recebe atenção, mas sua atuação e seu personagem carecem demais de uma empatia que não é possível de se encontrar. Por mais que seja sempre excelente ver Jennifer Connelly em cena, sua personagem também é um fiapo que cede à primeira vista e cuja motivações nunca soam fortes ou convincentes o suficiente.
Mahershala Ali (“Green Book – O Guia“) é subutilizado em um vilão que em momento algum apresenta alguma ameaça, assim como seus caricatos capangas que o filme tenta forçar a todo custo uma crença de que são aquilo que nunca consegue representar. O mais decepcionante do personagem de Ali, no entanto, é a maneira como sua figura, tanto de ator como personagem, é utilizada apenas de fachada, uma utilização que consegue de certa maneira até ser ofensiva. Existem ainda um núcleo de personagens amigos do interesse romântico da protagonista que destoam completamente de tudo no filme. Até porque este é o elo mais frágil em todo o filme.
O interesse romântico de Alita, Hugo, é um personagem complexo da pior maneira possível, e Keean Johnson em pouco ajuda. A verdade é que a maneira como é desenvolvido o personagem é completamente errônea, com questões morais que se contradizem a todo momento e numa relação recheada de todos os clichês e ingenuidades possíveis. Não se surpreenda se você torcer contra o personagem. Assim, a relação dele com a protagonista, por maior que seja a ironia, é completamente mecânica, mas pelos motivos errados. Não há nenhum questionamento crível ou reflexão válida acerca da relação entre uma ciborgue e um humano, e o problema é que tais coisas estão ali, porém inseridas e realizadas de forma completamente grosseira e preguiçosa.
Assim, por esta ser uma trama que acaba se tornando um elemento central e fundamental em “Alita: Anjo de Batalha”, muito do filme acaba por soar vazio, oco. Os questionamentos que tem o poder de gerar são deixados para trás, e o trabalho de Rosa Salazar como Alita é parcialmente ofuscado, isso porque a combinação de sua boa atuação com o trabalho da equipe de efeitos visuais é deslumbrante, ainda que os olhos e a feição mais cartunesca diminua até o potencial de sua atuação. Contudo, sua força e sua presença são plenas, e a protagonista, apesar de tudo em seu caminho, é o ponto alto do filme.
“Alita: Anjo de Batalha” não é um filme que vá exatamente ser lembrado pelo seu conteúdo, afinal Robert Rodriguez não se mostra capaz de construir um filme memorável a altura de tudo que tem em mãos, o que não quer dizer, também, que não seja um filme divertido. Mesmo com todos seus defeitos, mesmo com todas suas irregularidades, ainda assim é um filme capaz de entreter. Seu maior legado, porém, seja talvez justamente sua protagonista, a ciborgue construída digitalmente é apenas a cereja do bolo de todo um universo visual feito com extrema competência e cuja resultado final, dificilmente, representa todo seu potencial.