Por mais que muitas vezes evitemos admitir, temos muito medo de sermos como os nossos pais. Nós, mais do que ninguém, podemos analisar quase que friamente todos os erros por eles cometidos com o intuito de não repeti-los. Essa é a expectativa. A realidade sempre se mostra mais profunda e dura. Ao passo que chegamos à idade adulta, percebemos que há diversos fatores externos que influem na nossa criação, do machismo à depressão; do abandono à mentira. É clichê, mas não há perfeição e, no fim, nos vemos nos mesmos empasses e nos mesmos problemas que nossos pais enfrentam/enfrentavam só que não somos mais crianças ou adolescentes. Estamos agora, desempenhando os mesmos papeis que um dia eles estavam exercendo.

É nesse momento que conhecemos Rosa (Maria Ribeiro), uma mulher que se divide entre cuidar das filhas, trabalho, casa, mãe doente, pai com problemas financeiros. Ela se vê sufocada, não aguenta mais desempenhar tudo o que ela tem de fazer. Além disso, seu marido, Dado (Paulo Vilhena) não parece muito interessado em ajudar nas tarefas domésticas, seja brincar com as filhas, seja lavar uma simples louça. Ela admite que não está dando conta e inicia seu processo de desconstrução e de desobstrução de sua vida em nome da sua felicidade.

A direção é da Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças, As Melhores Coisas do Mundo) e o roteiro é co-escrito por ela e Luiz Bolognesi. A diretora demonstra um domínio absurdo tanta da temática quanto da forma estética que compõe os planos. Enquanto os homens sempre aparecem em planos abertos e geralmente sem nenhum obstáculo frente às câmeras, as mulheres e, principalmente Rosa, sempre estão ou escanteadas entre dois móveis (representando um espécie de prisão) ou até com algum objeto literalmente na frente de seus corpos (como na cena do banheiro em que o box do chuveiro está colocado no meio da cara da protagonista). Todo esse cuidado permeia o filme todo, não só na decupagem da Laís, mas também nas vestimentas, nas cores, na trilha sonora. Tudo ajuda a contar essa história.

No que tange ao argumento e ao roteiro, encontramos o mesmo cuidado, arrisco a dizer que o roteiro é ainda mais impressionante tendo em vista a quantidade de assuntos delicados que consegue abordar de forma profunda ainda que muitas vezes rapidamente. Um filme cujo tema central seja as relações parentais pressupõe todas essas discussões, tendo em vista que a criação familiar é a base na vida das pessoas, o que é ensinado às crianças molda seus caráteres e isso é algo que muito dificilmente se muda depois. Ademais, a sensibilidade com que trata os temas é o que faz o longa ainda mais importante.

É indubitável o momento de tensão política que assola o mundo, em tempos de neonazistas, avanço de uma direita branca, elitista e masculina, Como Nossos Pais vem a calhar, principalmente por falar de relações de poder. Machismo nada mais é do que uma anomalia na quantidade de possibilidades que se permitem aos homens comparada às das mulheres. E a grande qualidade do filme é saber espalhar esse conceito por todo lado, sem parecer panfletário ou carregado politicamente. A realidade de muitas mulheres está no filme, ainda mais quando percebemos os absurdos pelos quais elas passam e que sim, somos culpados justamente por inconscientemente sermos como nossos pais, tentamos mudar, contudo parece que ainda há muito o que fazer. Há muito o que pensar, refletir e, principalmente, agir. Parabéns Laís por ter a coragem de falar sobre todos esses temas em uma sociedade como a nossa e obrigado por Como Nossos Pais.

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